01/06/2018 às 10h25min - Atualizada em 01/06/2018 às 10h25min

100 anos do Imaculada em Leopoldina

Por André Luiz Pereira Fernandes
Fevereiro galopava para seu rápido desfecho e William Bonner anunciava, na chamada para o Jornal Nacional, a identificação de uma ossada. Algo assim, salvo engano: “Identificada a ossada de um preso político morto há mais de meio século...” Era, sem dúvida, mais um resgate, ainda que vergonhoso, da Memória Nacional.

Meio século! Que peso tem esse tempo sobre nós! Meio, que já parece tanto. Meio, que já nos faz ver a vida com certa nostalgia. Meio que, ainda bem, não é inteiro!

E onde nasce a Memória? Em que momento um registro se perpetua? Sabores, aromas, imagens, sons, palavras, nomes, canções... tudo isso pode nos transportar instantaneamente a lugares e tempos distantes. O George Virdon, personagem marcante de um romance da Segunda Grande Guerra, “The Last Convertible”, de Anton Myrer (O Último Conversível - título em português), ensinava que, quando desejássemos eternizar um momento, bastava que fechássemos os olhos, ficássemos em silêncio e, como se ausentes da cena por uns instantes, fôssemos apenas meros espectadores e não reais participantes. Funciona comigo.

Nos encontros cotidianos, quase sempre prazerosos, que a cidade pequena nos oferece, o assunto dos 100 Anos do CIC começava a ganhar força e foi através da Rosa Schettini que soube da adesão para os festejos.  Contemporâneos de escola que permanecem em Leopoldina, me perguntavam: “Você já falou com o fulano?”, “Já ligou pro sicrano?”, “Tem notícia do beltrano?” Hum..., no mínimo curioso!

Percebi que não deveríamos nos ausentar. Afinal, somos parte significativa da história do Colégio. Chegamos cedo ali. Estivemos entre as primeiras turmas mistas, certos de que, até pouco antes, somente garotas eram recebidas naquela escola. No fim dos anos de 1970 e na década seguinte, desfrutamos de uma escola em seu pleno apogeu. O Imaculada recebia a elite dos estudantes, não só de Leopoldina, mas também das pequenas cidades circunvizinhas.

Destacavam-se em seu quadro docente conceituados professores. A escola, em seu esplendor, tinha os jardins e recantos mais bem cuidados. Havia, logo na entrada dos estudantes, um viveiro gigantesco com pássaros variados, além de outro bem menor, só de periquitos coloridos. Um laguinho com tartarugas era para nós, crianças, algo encantador. Uma equipe de funcionários zelosos cuidava das áreas comuns e as mantinham na mais perfeita ordem.

A capela, encerada à exaustão, sempre florida, as salas de aula, meticulosamente organizadas, os amplos corredores, adornados por delicados vasos de avenca, a biblioteca, imersa no mais profundo silêncio. O laboratório instigava nossa curiosidade, com exemplares de répteis repugnantes, besouros e aracnídeos de vários tamanhos espetados por alfinetes nos murais aguardavam, estáticos, sua identificação pelos destemidos alunos dos níveis avançados. Os banheiros, arejados, perfumados, o grande pátio coberto, em dias de chuva, tornava-se pequeno para abrigar toda a garotada que se agitava em algazarra, a fim de aproveitar os breves minutos de intervalo.

A quadra de esportes a céu aberto, a fazendinha, tudo absolutamente impecável! Mais de 30 freiras habitavam ali. Ordeiras, firmes em seu valoroso propósito de educar, diligentes formiguinhas laboriosas, incansáveis na missão de perpetuar o trabalho da fundadora, a espanhola Juana Josefa Cipitria y Barriola, a nossa Madre Cândida Maria de Jesus, Santa Cândida, seguida por dezenas de Alices, Amálias, Anas, Ângelas e Angelis, Faustinas, Ineses, Marias Josés, Neuzas, Ritas e Sebastianas. Algumas, oriundas de famílias tradicionais, deixavam transparecer em seus modos e gestos, naturalmente elegantes, uma certa altivez tão própria do berço nobre.

Anualmente, recebíamos a visita da Madre Geral, a mandachuva, vinha não sabíamos bem de onde e era recebida com festa e honrarias. Nesta ocasião, ganhávamos um “chup-chup” de uva ou groselha e nossa felicidade era completa. O mês de maio sempre fora especial e a capela, nosso destino obrigatório. As meninas disputavam a coroa da Virgem, mas era ela, a menina mais bonita da turma, quem A coroava.

Ao revisitar tantas lembranças boas, entendi que algo nos chamava. Algo semelhante à “chamada de presença de classe” e voltavam à memória os registros, nome após nome e seus sobrenomes completos, caprichosamente recitados, em ordem alfabética, anos a fio, ao início das aulas. Tomei então para mim a tarefa de fazer contatos. Felizmente, a mídia computadorizada, seus “faces”, “instagrams” e afins não alcançam a todos, tanto quanto o velho telefone. E as respostas à chamada começaram a ser “PRESENTE!”. A pretexto do convite, tornei a falar com amigos que, embora distantes, ocupamos um imenso, único e sagrado lugar nos corações uns dos outros. Amigos que somos e, haja o que houver, seremos sempre os mesmos. Amigos da infância e mocidade no Colégio Imaculada.

Depois de um século voraz por transformações, em que a velocidade das descobertas, o avanço da tecnologia, a inovação em todas as áreas de conhecimento se sobrepuseram umas às outras, arrastando seguidores e, notadamente, muitas vezes, arrasando com tradições, alterando comportamentos em todas as sociedades, nos pontos mais longínquos do planeta, surge a possibilidade de lá voltarmos. Lá, naquele espaço, naquela grande casa acolhedora, ainda que, definitivamente, não seja mais a mesma. O Colégio Imaculada sempre foi nossa referência, nossa segunda morada. Foi onde moldamos nossa personalidade, solidificamos nossa crença no ser humano, nos valores do bem viver, na esperança de uma sociedade justa, pelo menos.

Aquela Escola era, algumas décadas atrás, nossa fonte absoluta de saber. O universo se abria ali. Os dóceis, os obedientes, os curiosos, os tímidos, os pragmáticos, os rebeldes, os impetuosos, os indomáveis, nos reuníamos todos numa grande ciranda, todos os dias, para aprender. Hoje, como professor, questiono meus alunos, sobre qual seria a grande fonte de prazer. Nem ouso imaginar o que lhes passa pela mente, mas percebo seus olhares intrigados quando, sem obter a resposta desejada, lhes digo que não há maior fonte de prazer que a do aprendizado. Precisamos, para usufruir das benesses do futuro, antes de tudo, APRENDER. Aprender algo tão simples quanto andar de bicicleta para então pedalarmos por aí, ao sabor do vento, numa manhã de domingo.

Aprender experimentando sabores, comparando texturas. Aprender viajando, sem medo do novo. Aprender com o exemplo dos mais velhos, para não bater a cabeça. Aprender a compartilhar, a respeitar, observando as diferenças, acima de tudo. Aprender todo dia, sem mostrar sinal de cansaço – lamento por aquele que desiste de aprender e se dá por vencido. Já pode partir, infelizmente.

As lembranças que partilhamos, creio serem comuns a gerações inteiras. Dos mestres que muitos anos lá lecionaram, exemplos de integridade, confiabilidade e amizade. Das freiras, um dia tantas, admiradas em seus alvos hábitos, exemplos de dedicação, abnegação, coragem, firmeza e retidão. Vivenciamos ali também os desencantos, enfrentamos e superamos desavenças, pequenos desentendimentos e rusgas tão próprios da convivência prolongada, mas não podemos negar como fomos felizes no Imaculada!

Que os estudantes de hoje e de amanhã, privilegiados, cada vez mais, com recursos inimagináveis de tecnologia, possam reverenciar essa Escola como verdadeiro alicerce de conhecimento profissional e formação intelectual, sem se distanciar da crença na retidão de conduta e nos valores humanistas que devem prevalecer para a evolução de nossa sociedade.


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