03/09/2018 às 12h40min - Atualizada em 03/09/2018 às 12h40min

Dr. Antônio Márcio envia sugestões a candidatos à Presidência da República sobre violência

O Jornal Leopoldinense reproduz abaixo o conteúdo do que ele enviou aos presidenciáveis. Vale a pena ler até o final.

Edição> Luiz Otávio Meneghite
Dr. Antonio Márcio Junqueira Lisboa
O médico pediatra leopoldinense, Dr. Antônio Márcio Junqueira Lisboa, Professor Titular de Pediatria da Universidade de Brasília e membro das Academias: Nacional de Medicina, Brasileira de Pediatria, Medicina de Brasília e Leopoldinense de Letras e Artes, estará em Leopoldina no período de 7 a 18 de setembro.
 
Durante sua estadia na cidade ele se disponibiliza para proferir palestra com o tema: ‘Porque a cadeia não resolve’.Para isso, ele já fez contato com membros da Academia Leopoldinense de Letras e Artes
 
Em contato com o Jornal Leopoldinense, do qual é assinante em Brasília-DF, o Dr. Antônio Márcio revelou que escreveu o artigo intitulado: ‘Violência – Um problema pediátrico’, que enviou a alguns candidatos à Presidência da República. Ao final de sua mensagem, Dr. Antônio Márcio foi lacônico: “Não sei se vai adiantar”.
 
O Jornal Leopoldinense reproduz abaixo o conteúdo do que ele enviou aos presidenciáveis.Vale a pena ler até o final.
 
VIOLÊNCIA – UM PROBLEMA PEDIÁTRICO
 
Dr. Antônio Marcio Junqueira Lisboa
 
Estudo e escrevo sobre violência há muitos anos. Criei o Comitê de Defesa da Criança quando Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria; coordenei a Comissão Criança e Constituinte, em Brasília; participei da elaboração do Estatuto da Criança e do Adolescente; fui membro do CONANDA durante dois anos; participei de inúmeras reuniões sobre o tema, onde estavam presentes desde ministros a pessoas do povo; tentei convencer Governadores, Ministros de Estado, parlamentares, autoridades, e mesmo profissionais que se dedicavam ao tema,  de que as políticas de segurança pública estavam equivocadas, ou erradas. Tudo em vão.
 
As Políticas de Segurança Pública têm utilizado medidas punitivas e repressivas para o controle da violência com resultados decepcionantes. Em nenhum dos Planos de Combate à Violência foi sequer proposta uma ação que tivesse como finalidade prevenir a formação de indivíduos com distúrbios do comportamento – infratores, delinquentes, traficantes.   Sem sombra de dúvida, o maior erro das Políticas de Segurança Publicas foi não prevenir a formações de delinquentes. O mesmo erro que existiu durante muitos anos nas Políticas de Saúde Pública foi tratar as doenças e esquecer da prevenção.
 
Medidas repressivas, embora justificáveis, são paliativas. Quantas vezes profetizei que os vários planos de combate à violência não iriam resultar em nada? E, após as UPAS, o que vem acontecendo no Rio de Janeiro? E, em 2017, o que aconteceu no Rio, Natal, Recife, Vitória, Manaus, Belém, Florianópolis?  Precisaram chamar o Exército.  Em 2018, o Rio de Janeiro deixa a segurança nas mãos do Exército, cuja função primordial não tem nada a ver com o combate à criminalidade. O resultado da intervenção, após quatro meses, foi um grande aumento dos tiroteios e dos homicídios. O uso de soldados do Exército nos lembra guerra. Curiosamente e tristemente, após cada plano para diminuir a violência, os episódios de violência aumentaram.
 
E, o que é a violência? A violência é uma doença psicossocial. Não é causa, e sim, na maioria das vezes, consequência da ação de indivíduos portadores de sérios distúrbios comportamentais, derivados, em sua maioria, de transtornos afetivos graves, a maioria ocasionados por “repulsas parentais”. Só diminuirá significativamente quando nos conscientizarmos de que sua prevenção está na formação de cidadãos com personalidades sadias, com caráter e bons princípios e valores. Razão pela qual, as políticas deveriam ser dirigidas principalmente para promoção e proteção da saúde mental das crianças menores de 6 anos, época em que se estrutura a personalidade.
 
Considero que a prevenção da violência é principalmente um problema pediátrico que, para ser resolvido, exigirá o concurso de profissionais conhecedores das necessidades emocionais das crianças. O combate à criminalidade é de responsabilidade do Estado, da Justiça e dos órgãos de segurança.
 
Assim pensando, atrevo-me a sugerir que as políticas de segurança públicas poderiam ser elaboradas em quatro estágios:
 
Prevenção Primária – As ações terão como objetivo atuar sobre crianças   do nascimento até aos seis anos, época em que a personalidade se estrutura, visando a formação de bons cidadãos. Educar significa "atender às necessidades do desenvolvimento da criança, a fim de prover a plena realização de sua personalidade", ou seja, transformar bebês em bons cidadãos. Não é só ensinar a ler, a escrever, a ter boas maneiras, a conviver socialmente.  É construir uma pessoa com disciplina, limites, personalidade firme, bom caráter, bons princípios e valores, elevada autoestima, ser autossuficiente, com capacidade de expressão, espírito de iniciativa, corajosa, responsável, de fácil convivência, elevado compromisso social e espirito público. É uma das mais eficientes armas que se tem para prevenir a formação de delinquentes. As políticas que promovam o desenvolvimento de bons comportamentos deverão ser definidas por educadores, professores, psicólogos, assistentes sociais, sociólogos, com conhecimentos de desenvolvimento infantil.  Sem dúvida, as medidas tomadas neste momento são as mais importantes para prevenir a formação de comportamentos antissociais, ou seja, da violência.
 
Prevenção Secundária – As ações terão como objetivo identificar e prevenir, fatores que possam prejudicar a formação da personalidade, gerando indivíduos com comportamentos antissociais, responsáveis pelos episódios de violência.  São considerados os mais comuns e importantes: a desestruturação familiar, a privação materna e a violência doméstica. “Poderemos afirmar que prevemos para o futuro um aumento proporcional ao desaparecimento da vida familiar, da associabilidade, assim como do número de crianças problemas, de delinquentes e de psicopatas” SPITZ, já dizia há mais 50 anos. A elaboração das políticas ficará a cargo dos mesmos profissionais do estágio anterior.  Nesta fase, é de grande importância a identificação e tratamento de distúrbios dos comportamentos, para evitar que as crianças se tornem delinquentes.

Prevenção Terciária – As ações têm como objetivo prevenir crimes praticados por indivíduos com comportamentos antissociais – infratores, marginais delinquentes. A elaboração das políticas ficará a cargo de criminalistas, juristas, advogados, órgãos de segurança, psicólogos, sociólogos, praxiterapeutas, educadores.

Prevenção Quaternária – As ações têm como objetivo a elaboração de normas que irão reger as detenções em instituições prisionais e serão elaboradas pelos profissionais do item anterior. No caso dos centros de ressocialização de menores infratores o grupo deverá contar com pediatras, assistentes sociais, praxiterapeutas, educadores.

A paz só será conseguida, se as famílias oferecerem atenção, amor e segurança aos filhos; se os lares forem bem estruturados; se houver bons exemplos dos pais e boa convivência familiar; se existirem condições favoráveis ao bom desenvolvimento do apego e da prática do diálogo; se forem poucas as punições e muitas as recompensas; se os castigos físicos forem abolidos.  Tudo isso ajudará a criança a ser disciplinada, a ser conhecedora dos seus limites, a aprender bons princípios e valores, a ter autoestima elevada, condições essenciais para uma sólida estruturação de sua personalidade, de seu caráter, de sua moral, que a protegerá de desvios do comportamento.

O diagnóstico das causas determinantes, predisponentes e desencadeantes são conhecidas. Infelizmente a prevenção e o tratamento errados, estão deixando que mais de 60.000 brasileiros sejam assassinados mais de 60.000 mulheres estupradas, a cada ano, e permitindo que medo, insegurança, sofrimento, raiva, invadam nossos lares.

Propus a um governador de Brasília a implantação de um projeto para prevenir a formação de delinquentes. Respondeu-me: “Lisboa, seu projeto vai levar dez anos a dar resultados”. Retruquei-lhe: “Não”. “Acha que menos?”. “Não. Vinte anos”. Essa conversa ocorreu há 27 anos.

*Prof. Titular de Pediatria da Universidade de Brasília. Eleito membro das Academias: Nacional de Medicina, Brasileira de Pediatria, Medicina de Brasília, Leopoldinense de Letras e Artes.
 
 
 


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