13/05/2020 às 19h00min - Atualizada em 13/05/2020 às 19h00min

Tute Pneu Balão

Por Antônio Valentim
De certas pessoas sobre as quais escrevemos, muitas vezes, conhecemos a procedência, suas histórias e acompanhamos sua trajetória de vida afora. De outras só conhecemos as histórias sem sabermos de onde estas pessoas surgiram. São como cometas, que ficamos sabendo que passaram ou que irão passar, mas não conseguimos acompanha-los, e nem sabemos ao certo de onde vêm, surgem deixam seu rastro e desaparecem como por encanto.

O personagem a que me reporto, não conheço a procedência, mas acredito que tenha vindo, ou melhor, que seus pais tenham vindo de alguma fazenda ou sítio das proximidades, e como muitas outras famílias, tenham fixado moradia, lá pras bandas do Alto do Cemitério, mais precisamente na localidade conhecida como “Aldeia” (Também conhecido como Limoeiro, atual bairro Roque Schettino). Isso, porque as pessoas que demandavam das roças e não tinham recursos, geralmente, fixavam moradia naquela região, às margens da estrada antiga que ligava Leopoldina a Cataguases, porque ali era considerado terra de ninguém, e a municipalidade permitia a construção de barracos e casebres.

Tute era um homem escuro, de baixa estatura, meio gorduchinho, de andar apressado, bastante feio, de fala enrolada e apressada, apesar da feiura, quem conversasse com ele, veria que era bom de conversa e simpático, sempre rindo com as brincadeiras que faziam com ele, aqueles que lhe tinham simpatia e vice-versa.

Vivia de biscates, ora capinando algum quintal, ora rachando lenha etc. Uma particularidade de Tute, era que seus olhos sempre estavam avermelhados, dando a seu rosto, uma expressão de hostilidade e ferocidade. Alguns maledicentes, diziam que o vermelhão quase que permanente em seus olhos, era porque Tute não dormia à noite, que se transformava em “Mula Sem cabeça”, assombração, Lobisomem e algumas outras coisas mais. Outros já diziam que ele passava as noites em terreiros de macumba, preparando feitiços a mando do Demo.

A realidade, era que nosso amigo acordava muito cedo, e saia para o batente, para defender seu sustento, pois pelo que sei, ele era sozinho no mundo, não tendo família nem parentes. Não me lembro e não tenho certeza se Tute bebia ou não. Sei que estava sempre com um enrolado de palha bem grosso, soltando espessas baforadas de fumo de rolo que fediam longe.

A molecada adorava implicar com o pobre homem, os jovens também não fazima por menos espicaçando-o todas as vezes que topavam com ele nas ruas. Diziam que faziam isto, porque Tute, ficava a espreita-los à noite quando estavam namorando, nos lugares ermos e escuros da cidade, o que era verdade. Tute ficava na marcação dos namorados que se dirigiam para os cantos mal iluminados, para um namoro mais ousado e alguns contam que vendo o namoro, o homem ficava excitado, tendo por isso, tomado muitas vezes alguns cascudos dos irritados namorados.

Quando Tute passava peslas ruas, a molecada  fazia coro  a uma só voz: “Tute Pneu Balão, Tute Pneus Balão”. Tute não gostava nada, nada deste apelido e ameaçava a meninada com o canivete aberto, proferindo palavrões e xingamentos, correndo atrás dos que estavam mais próximos.Mas , muitas ocasiões, quando os moleques eram muitos e mais audaciosos, resolviam enfrenta-lo, era ele quem saia correndo da molecada.

A melhor história que sei de Tute é que ele era muito dado a acompanhamento de procissões, e que de certa feita, foi convidado por algumas pessoas humildes suas conhecidas, para fazerem uma procissão de rezas para que chovesse, pois já havia um bom tempo que não chovia em nossa região, e as seca ameaçava as plantações e as criações. Foi organizada a procissão, e quando Tute quis ponderar, mas as mulheres disseram que faziam questão de que fosse ele o puxador das rezas. Uma das mulheres, entregou-lhe um livro, para que ele fosse para frente do séquito e começasse a ladainha. Tute todo desconcertado, postou-se à frente dos outros, abriu o livro e começou a folheá-lo. O que ele não disse para as senhoras, era que não sabia ler, e assim sendo, pressionado para que desse início a reza, abrindo o livro, que era todo impresso em letras vermelhas e pretas, começou a cantar: “Vira de uma banda, pintado pintado, vira da outra banda, pintado, pintado”.Todo mundo achou aquilo muito esquisito. Que diabo de reza amis esquisita era aquela? Mas não querendo desapontar o pobre do homúnculo em sua santa ignorância, todos fizeram coro à sua ladainha, que não sabiam se era ou não um novo tipo de reza do tute. E como para deus, nada é impossível, dizem que no dia sequinte choveu.


(Publicado originalmente no jornal Equipe e atualizado)
 


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