16/06/2020 às 12h30min - Atualizada em 16/06/2020 às 12h30min

O racismo em Leopoldina

Luciano Baía Meneghite
Fotomontagem: Luciano Baía Meneghite/Memória Leopoldinense
Sobre o racismo nos EUA, no mundo ou sobre o mito da “Democracia racial” no Brasil, outros já falaram com maior conhecimento. 

Vamos falar do nosso quintal. Uma parte de Leopoldina acredita ou finge acreditar que algumas mazelas nunca existiram por aqui. Como se não fôssemos Brasil ou vivêssemos em outro planeta.  Lembro do radialista Zé Américo Barcellos ironizando: “Aqui é uma cidade abençoada. Não tem corrupção, não tem contrabando... Eu queria até fazer uma fezinha, mas aqui não tem nem jogo de bicho...”  Segundo alguns hoje não tem nem coronavírus.

Não é preciso ir longe, pra constatar as profundas desigualdades entre negros e brancos. Leopoldina, que chegou a ter a maior população negra escravizada de Minas Gerais no final do século XIX, a exemplo do que ocorreu no restante do país após a abolição da escravatura, também abandonou sua população negra a própria sorte. Milhares de filhos e netos de escravos continuaram sendo explorados por coronéis e doutores fulanos de tal. Permanecendo na zona rural ou vindo morar em casebres na Aldeia, Taboca, Bela Vista ou outros pontos mais humildes do município.

Quantos piões, lavradores, domésticas, babás ou lavadeiras conhecemos trabalhando a troco de casa e comida ou alguns trocados? Há pouco tempo mesmo vimos a chiadeira de patrões por ter que pagar direitos aos trabalhadores domésticos. As madames com medo de ter que lavar louça passaram a bater panelas.

As políticas eugenistas, que defendiam o branqueamento da população com o incentivo da vinda de imigrantes europeus não prosperou muito por aqui. Os imigrantes, em sua quase totalidade pessoas também muito simples e sofridas se adaptaram à cultura local.    O racismo, porém, não deixou de existir.

Aqui também teve "puliça" que baseado no código penal perseguia capoeiristas, centros de Umbanda e Candomblé. Que prendia por “vadiagem” quase sempre negros desempregados.

“Ah, mas dizem que Leopoldina era Athenas da Mata!”  Pra quem pudesse pagar. Tente encontrar um negro nas fotos de alunos do Ginásio (Que era particular), ou de qualquer outra escola na primeira metade do século XX.

“Pelo menos aqui nunca teve segregação.”  É mesmo? Certamente quem tem mais de 60 anos se lembra ou se mais novo como eu, já ouviu alguém contar sobre a divisão existente até mais ou menos meados da década de 60 na Praça Félix Martins, antigamente conhecida como “Jardim”. Do lado do ponto de taxis concentravam-se os negros e era chamado de “África” “Congo” ou outros apelidos. No meio da praça, jovens de classe média baixa e do outro lado a elite. Há quem tente   minimizar a questão dizendo que não era um apartheid, pois não havia violência, nem proibição ou que seria uma “divisão natural”. Acredito até que muitos nem percebessem que a simples separação já era uma violência.  Até o então grande Jornal do Brasil noticiou a respeito dessa situação em Leopoldina.

E no Clube Leopoldina, fundado em 1926 pelo Dr Ribeiro Junqueira & Cia, negros só entravam a serviço. Com o passar dos anos o clube foi se abrindo e se popularizando; não sem muitos narizes torcidos.

É a cidade que apelidou o logradouro em que se localizava o Cutubas, clube frequentado pelos negros de “Praça do Urubu”.

É a cidade cuja principal rua ainda homenageia Barão de Cotegipe, ministro do império defensor da escravatura.

E se hoje por essas bandas não vemos mais o racismo de forma tão ostensiva, ele continua muito presente quando vemos empresas que ao pedir “boa aparência” nos anúncios de empregos, rejeita negros. Quando só são escolhidas moças brancas pra misses disso ou daquilo, quando a maior parte dos presos são negros. Quando alguns ao lerem este texto se sentirem ofendidos porque tentam negar o óbvio.
 
 
 
 
 


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