14/02/2021 às 15h47min - Atualizada em 14/02/2021 às 15h47min

Memórias do Carnaval Leopoldinense

Fotomontagem Luciano Baía Meneghite/ Memória Leopoldinense
Por Luciano Baía Meneghite

Qual foi a melhor época do carnaval de Leopoldina? Provavelmente cada um tem em sua memória um período que considera como o melhor. Geralmente associado à época da sua juventude. Dizem que tendemos sempre a achar que o passado era melhor, lembrando somente do que era bom e não mais existe e apagando da memória o que foi ruim. Isso em parte é verdade.

Todo ano o jornal LEOPOLDINENSE pública um pouco da memória do carnaval leopoldinense. Não toda a história do nosso carnaval, mas registros de alguns nomes, datas e fatos, citados sem ordem de importância ou cronológica, apenas lembranças. Desta vez escrevi um depoimento bem pessoal.

Nasci em 1975, entre a geração que viveu o chamado “auge” do carnaval de Leopoldina e outra que nasceu quando nossa festa "agonizava". Ainda pude ver um velhinho alegre, fantasiado, acho que de Chacrinha, que anos depois fui saber que era o Dr. Lisboa, sem o parceiro Funchal Garcia que não cheguei a conhecer. Vi os folclóricos Nestorzinho Explosivo, Nélio Boca, o juiz de futebol Tira-Gosto vestido de Peter Pan, o Beto Carne Seca acompanhando tudo o que era bloco, entre muitas outras figuras curiosas e engraçadas de nosso carnaval.

Durante a década de 1980 ainda existiam os bailes e matinês dos clubes. Lembro da primeira vez que fui a uma no Clube Leopoldina, levado pela Magali Nogueira. Infelizmente não tenho fotos minhas no carnaval quando criança, mas lembro que era uma fantasia amarela de índio.

Ainda podíamos acompanhar, numa Cotegipe completamente lotada, as escolas de samba, Acadêmicos de Leopoldina, do Vitalino, a Unidos do São Cristóvão, do Florenço, a Unidos da Vila, a Quinta Residência, o Alto do Cemitério e Unidos dos Pirineus.

De 1985 a 1988 os ensaios do Pirineus eram realizados na subida da Cohab-Velha, quase em frente a minha casa. Ainda não existia a quadra. O som era ligado na casa da minha vizinha Dona Elza. Eu junto com seu filho Marco eramos dos primeiros a chegar e dos últimos a sair, afinal estávamos em casa. A rua ficava lotada. Os instrumentos e adereços ficavam guardados na antiga “Escolinha”. Minha mãe, Maria José Baia Meneghite e a Solange Yung, ex-porta-bandeira do Prazer das Morenas e esposa do popular Xamego elaboravam grande parte das fantasias e chegavam a virar noites costurando-as, assim como outras mulheres do bairro. Era um entra e sai de gente a todo o momento nas duas casas vizinhas nos dias que antecediam ao desfile: Cabo Jaime, Sô Grimaldo, Zezé, Tião, Lourinho, Cida, Jorge Cego, Sô Licinho, Vitalino e tantos outros. Eram retalhos de panos, fitas, paetês e purpurinas para todo lado. Meu pai saia na comissão de frente e foi diretor da escola. Quando solteiro, chegou a compor samba para os Acadêmicos de Leopoldina. Minha mãe já compôs para uma dúzia de blocos. Uma vez, o Vitalino tentou me convencer a compor um samba, mas recusei. Eu nunca soube sambar, cantar, nem tocar instrumentos, sequer assoviar. Na verdade nunca tentei. Meu negócio era e é papel, tinta, isopor, cola... Só em 2011 arrisquei compor uma marchinha.

Eu e meus irmãos sempre saíamos fantasiados. No primeiro ano, a convite da Conceição Nunes, minha vizinha, desfilei de palhaço, maquiado pelo ex-palhaço Xamego. Gilberto Tomé desenhava algumas das alegorias. Morava na minha rua. Aliás, minha rua era cheia de bons desenhistas, além do Gilberto tinha os irmãos Cláudio, Ná, Leca, Ló e Caquinha e também minha mãe. Paulo Lisboa também chegou a fazer algumas alegorias. Os carros alegóricos, na maioria muito simples, mas que na época encantavam as crianças do bairro eram montados num barracão da atual fábrica de panelas próximo ao Polivalente. Gostávamos de brincar nas carcaças dos carros. Um dia uns moleques pegaram um dos chassis e desceram morro abaixo. Só foram parados por uma cerca de arame farpado da bomba de água da Copasa. Descer o morro dos Pirineus ainda com o calçamento irregular de pés de moleque era um desafio. Imaginem então descer com carros alegóricos sem freios. Lembro que um ano fizeram um navio negreiro e tomaram uma coça para chegar até a Praça do Urubu. Quase que o navio "naufraga" no morro da Magmar. Eu estava lá "ajudando". Na verdade queria era acompanhar tudo. Esquecia até de comer.

Em 1988 foi o último grande desfile oficial da Unidos dos Pirineus. As razões foram muitas: Falta de incentivo, falta de profissionalismo, picuinhas, entre outras coisas. No ano seguinte o Pirineus se uniu à Vila e daí em diante as escolas de samba da cidade foram acabando uma a uma ou se transformando em blocos. Nunca me conformei com o fim das disputas. Adorava escutar pelo rádio a apuração dos resultados. Minha mãe não deixava ir até a prefeitura ver a apuração, pois vira e mexe acontecia um arranca-rabo; mas era só na hora, logo os exaltados amansavam. A cada nota 10 de nossa escola era uma gritaria da molecada e os foguetes estouravam. Aí era descer correndo da Cohab para a Praça do Chafariz e esperar o pessoal chegar da prefeitura para a comemoração.

Em 1991 ou 92, Solange e minha mãe se juntaram a meu primo Gilmar e ajudaram a colocar a Acadêmicos de Leopoldina na rua. Foi um dos poucos títulos conquistados pela escola do Mestre Vitalino. Um desfile simples, mas organizado. Em 1989 e 1990,as duas, junto com outras pessoas já haviam colocado na rua o Bloco Dissidentes dos Pirineus, era uma maneira de não deixar passar em branco o carnaval.

Vieram outros blocos como o do Chafariz da D.Carminha, Turma do Lero, Só Falta Você da D. Elza Gama, o Fajardo, a Imperatriz do Baginha, Marrom e Cia, Cabuçú do Miúdo e Marquinho, Balança Mais Não Cai, que tiveram o mesmo mérito de manter vivo nosso carnaval, mas na medida em que apareciam esses blocos na cidade, outros desapareciam como o Pidão, Unidos da Cana, Cutubas. Acabaram os bailes do Clube Leopoldina, Cutubas, Sindicato, APPL. Nossa festa foi se esvaziando. Os antigos carnavalescos foram envelhecendo e morrendo: Licinho, Fizinho, Florenço, Barão, Maria Amália, D. Creusa, João Machado e até quem parecia eterno como Mestre Vitalino morreu em 2003.

A geração que crescia, quase não tinha contato com nosso autêntico carnaval. O negócio passou a ser ir para as praias do Espírito Santo ou ficar e pular ao som de Funk e bandas de Axé Music. As fantasias e alegorias foram sendo substituídas por abadás e camisas estampadas. Os autênticos carnavalescos foram se recolhendo. Eu mesmo, por alguns anos passei apenas acompanhar o carnaval pela televisão. Ainda existia carnaval na televisão. A Rede Manchete realizava uma cobertura completa, mostrando quem realmente fazia o carnaval e não essa cobertura insossa da Globo, de exaltação de celebridades e Big Bostas. Era bom ver na extinta emissora os desfiles, bailes, concursos e programas especiais comandados por Sargentelli, Jorge Aragão, Adelson Alves, Paulo Stein, Haroldo Costa, Fernando Pamplona, Albino Pinheiro, João Saldanha, Solange Bastos, Rogéria, José Carlos Rego... Aprendia-se muito. Mas na verdade, era triste ver carnaval só pela televisão.

Mas se nos anos noventa nosso carnaval andou adormecido, na virada do milênio alguma coisa aconteceu na cabeça das pessoas de Leopoldina. Começaram movimentos voluntários na tentativa de revitalização do carnaval da cidade. A realização de Gritos de Carnaval com músicos das bandas Princesa Leopoldina e Lira 1º de Maio nas manhãs de sábado na Praça do Urubu foi aglutinando pessoas e resultou no Carnaval da Saudade que vem sendo realizado com sucesso nos últimos anos. Pico, Dr.Dilfar, Zé Carlos Goiaba, Vanuza, Claudeth, Paulinho, Betinho, Gilberto, os maestros Juquinha, Caxandoca, Abacaxi, Bruno e mais um monte de foliões. Os bonecos Gigantes que fiz homenageando carnavalescos da cidade, também os bonecos da Maria Lúcia Braga, a válida experiência da mudança dos desfiles oficiais para a Avenida Getúlio Vargas, a participação do Folião, o Pó de Giz, Bloco da Laje, das Piranhas, o bom retorno à Cotegipe, o ressurgimento dos Pirineus ainda como bloco, do qual, mesmo com todos os problemas tive orgulho de participar. O crescimento do Fajardo & Cia, a criação de blocos como o da Pinguda, pelo Dr. Guilherme Luciano, o Concentra Mas não Sai, Bão Igual Bosta a volta do Cutubas, a melhoria da estrutura oficial e a grande divulgação do jornal LEOPOLDINENSE impresso e online e outros órgãos de imprensa, foram responsáveis por uma melhora considerável no nosso carnaval.

A cidade deixou de ficar deserta e muitos passaram adiantar à ida a praia para estarem aqui nos dias de folia. Após uma primeira tentativa em 2009, a Liga foi enfim criada em 2014 e ajudou a organizar o carnaval 2015. Infelizmente por falta de maior ação das agremiações, poder público e comércio nosso carnaval fica nessa de um passo à frente e dois pra atrás e em anos seguintes não houve continuidade na organização dos desfiles. As coisas ainda são feitas muito na base do improviso. O improviso faz parte. Falta, por exemplo, mais blocos caricatos como os mais recentes 
Cooper Beer, Oliverada ou Pé de Cachorro, mas é preciso profissionalizar sem burocratizar. Só assim manteremos nossa festa em um bom nível.

Este ano de 2021 pelas razões óbvias não tivemos carnaval, mas podemos já preparar o próximo.

Publicado em 01/03/2011 e atualizado


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