03/06/2022 às 07h43min - Atualizada em 03/06/2022 às 07h43min

Saudades!

Nelson Vieira Filho (*)
Walter, Décio, Dona Olímpinha e Nelsinho (Acervo Dr. Nelsinho)
Parece até transmissão de pensamento. Há dois ou três dias, passando pela praça Professor Botelho Reis, olhei fixamente para o “Ginásio” e me lembrei de como lá cheguei. E logo a seguir o Luiz Otávio me consultou se eu podia escrever sobre meu tempo de estudante em Leopoldina.
 
O padre Raimundo Nonato de Araújo Fernandes (ou Fernandes de Araújo) era irmão da madrasta de papai. Numa de suas costumeiras e simpáticas idas a Miraí, padre Raimundo tomou conhecimento de minha situação estudantil, apenas com ginasial. Ele, sempre respeitado, disse a meu pai: “o Nelsinho é o único homem dentre seus nove filhos, então tem que prosseguir nos estudos”.
 
Com eficiência invejável, obteve êxito junto ao Colégio Leopoldinense, que pertencia ao Bispado de Leopoldina. Com tudo gratuitamente, exceto lavagem de roupa, no primeiro ano fiquei no internato, no dormitório dos médios-menores. No segundo ano, com a venda do Colégio para o Estado de Minas Gerais, fui, em hercúleo esforço financeiro de papai, ser pensionista da boníssima dona Rita de Assis.
             
Ao ouvir de mim que eu pretendia cursar História ou Direito, o professor Machado me sugeriu passar para o Clássico, onde ele “apertava menos” e onde eu estaria livre do rigor de dona Regina, que lecionava francês para o Científico, em que eu estava matriculado. Deu tudo certo, sem nunca ter ficado para uma segunda época, eu cursei o clássico de 1954 a 1956 em Leopoldina e a gratidão ao padre Raimundo se tornou eterna.
 
Logo no início das aulas no Clássico, fiquei sabendo, com assustadora surpresa, que a palavra língua era acentuada na letra i; telefonei para o papai, confessei-me inculto e ele autorizou que eu contratasse para me dar aulas particulares de Português o colega Deodato Rivera, tido e havido como o melhor aluno do Colégio.Melhorei sensivelmente!
 
E me aterrorizava com medo de que o sinistro “barbeiro fantasma” (Mussolini Gonçalves) cortasse de madrugada, enquanto eu dormia, meus cabelos, o que ele fazia sistematicamente com muitos alunos do internato.
            
No primeiro ano colegial nós éramos muitos, mas alguns foram reprovados e ficamos apenas 17 no segundo ano. Pensando que teriam melhores chances no vestibular, alguns foram cursar na capital o último ano, quando passamos a ser apenas oito: Alfredo Trece Martins, Arlenice Carvalho, Herlaine Freire, Marília Rodrigues (do dr. Leandro “da farmácia”), Délcio de Oliveira Fernandes, Hélcio de Oliveira Fernandes, Paulo Guido Coelho, Walter Hermeto e eu.
 
No “Ginásio”, tive procedimentos diversificados, tendo sido ator de destaque na peça teatral “E o céu uniu dois corações”, apresentada por mais de uma vez no Cine Alencar e uma vez na cidade de Recreio. E organizei uma eleição de rainha dos estudantes, quando a Lélia Lara, em renhida disputa em que cada aluno tinha direito a um voto, recebeu mais sufrágios do que a Arlene Carvalho, ambas dotadas de muita beleza física.
 
Durante meus três anos de estudante em Leopoldina, eu privilegiava dançar em vez de qualquer outra diversão. Não sei como que, apesar do rigor com que o porteiro, sr. Mário, com fama de excessivamente severo, cercava estudantes sem dinheiro que tentavam entrar sem ingressos no Clube Leopoldina, eu, que não era sócio e estava sempre duro, não perdia um baile, entrava sem pagar, preocupado praticamente apenas em dançar qualquer ritmo musical que estivesse sendo executado, embora preferisse os boleros e os sambas-canções.
 
Quem não viveu, jamais viverá o footing na praça Félix Martins, emoções geradas a todo momento, com flertes e mais flertes, corações disparados, amores despertados, até inolvidáveis paixões históricas. Quantos casamentos por causa do footing se tornaram realidade!Os rapazes ficavam “parados”, de pé, enquanto as moças transitavam incessantemente de um lado para outro, nunca aparentando cansaço. Até hoje – e sobre isto jamais se clareará a verdade - não se sabe se eram as moças que desfilavam para os rapazes as escolherem ou se elas andavam examinando o material masculino que ficava à disposição parado na calçada. Os flertes eram de uma constância avassaladora; ninguém lá aparecia para ficar inerte.E a famosa frase “posso falar com você? ” ou o recado levado por alguém “fulano quer falar com você” era como que senha para a abertura dos diálogos quase sempre resultantes em namoros. Havia moças tão lindas, de olhares tão penetrantes, de cores tão vivas, que a gente, descrente da conquista, apreciava, porém não ousava se aproximar.
 
E o olhar que citei na primeira frase deste texto me fez isolar-me para curtir recordações, quando me despertei para o fato de que o meu Colégio Leopoldinense está comemorando 116 anos.de existência.
 
A meu amantíssimo Colégio, à sua direção, a seu corpo docente de todas as épocas, aos colegas, meu muito obrigado pela oportunidade que me foi dada através da eficaz ação do Padre Raimundo, a quem sou eternamente grato, momento em que, sinceramente emocionado, fico a cantar “Parabéns para você, meu colégio querido ... “.
 
 
(*) Nelson Vieira Filho, estudante nos anos 1954 a 1956.


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