03/12/2014 às 08h55min - Atualizada em 06/12/2014 às 12h15min

A história do fundador do Comando Vermelho que viveu em Leopoldina

Pesquisa e compilação de texto: João Gabriel Baía Meneghite

Você já ouviu falar de José Lourival Siqueira Rosa, o Mimoso? Aqui em Leopoldina ele era conhecido como Zezé e os mais antigos com certeza lembram-se desse nome. Simpático, inteligente, conselheiro dos amigos e muitas outras virtudes de um homem que era benquisto por muitos na cidade. Acontece que essa mesma pessoa agradável se transformou num dos criminosos mais procurados do estado de Rio de Janeiro e foi um dos principais fundadores da Falange Vermelha que hoje é denominada como CV-Comando Vermelho.

O jornal Leopoldinense traz nessa edição uma história muito curiosa e que poucos leopoldinenses conhecem.  Não é nossa intenção romantizar a imagem de um criminoso, mas apenas retratar esse caso que virou filme e que pegou de surpresa muitos amigos do Zezé, que não imaginavam que o "Belo" iria virar uma "Fera", como escreveu Edson Gomes em seu artigo sobre o Mimoso.

A passagem por Leopoldina

Natural de Mimoso, Espírito Santo, José Lourival Siqueira Rosa, o Mimoso, chegou à cidade de Leopoldina através do futebol na segunda metade da década de 1960.  Naquela época, Leopoldina era conhecida por ter um dos times mais competitivos da Zona da Mata, o Ribeiro Junqueira, que enfrentava de igual para igual equipes como a Seleção Carioca, que no ano de 1965 perdeu para o rubro negro leopoldinense por 3x1. Muitos jogadores de outras cidades passaram por aqui, constituíram família e moram até os dias atuais. Outros seguiram o seu destino e daqui guardam boas lembranças e foi assim que aconteceu com José Lourival, que jogou no Ribeiro Junqueira entre os anos de 1965 a 1968 e posteriormente seguiu um caminho que muitos dos seus amigos lamentam. De fala mansa típica do capixaba, José Lourival era conhecido em Leopoldina como Zezé. Ele chegou a trabalhar na Prefeitura, na UMC - Unidade Municipal de Cadastramento do INCRA, onde desempenhava a função de auxiliar de cadastramento de propriedades rurais para efeitos de lançamento do ITR - Imposto Territorial Rural.  Boa pinta, vaidoso e inteligente, ele namorou belas moças de famílias tradicionais da cidade. 

    

 

O jogador de futebol e o ingresso no crime

Além de se destacar pelo Ribeiro Junqueira, jogou em alguns times nas cidades de Vitória-ES, Cachoeiro de Itapemirim-ES, Caratinga-MG, Juiz de Fora-MG, Rio de Janeiro-RJ e no exterior. Centroavante rompedor e ágil, chutava com as duas pernas, tinha visão de jogo, assumia o papel de líder dando orientação aos demais jogadores. Ele se posicionava estrategicamente dentro de campo e tinha uma coragem que impressionava os colegas. O futebol de Zezé começa a se destacar até chegar a grandes clubes. Jogou pelo América, do Rio de Janeiro e depois foi vendido para o Miami Gatore, nos Estados Unidos e depois para Europa: passando pelos times do Olympic Charles-Roy, da Bélgica, e pelo Saint-Etienne, da França. O fim de sua carreira como jogador profissional ocorreu quando ele bateu de frente com um zagueiro, resultando numa contusão terrível onde o joelho se acabou. Voltou para o Brasil sem futuro como jogador. O futebol vira as costas para Zezé. Passando necessidade, entra no crime e ressurge no noticiário como José Lourival Siqueira Rosa, mais conhecido como Mimoso. Ele arruma uma nova profissão: assaltante de bancos e assume o lugar deixado por William da Silva Lima, chefe do Comando Vermelho.




O livro que virou filme

Existem várias publicações a respeito da Falange Vermelha, com citações e histórias de José Lourival Siqueira Rosa, o Mimoso. Entre algumas destaco o livro “400 contra 1”,  de Willian da Silva Lima, um dos últimos sobreviventes da organização criminosa. O livro virou filme. Segundo Willian, todos os seus companheiros morreram e coube a ele contar a história. No livro, Willian comenta que se fosse os seus amigos que escrevessem a história da Falange Vermelha, cada qual contaria de um jeito: "Talvez o Saldanha o faça com mais paixão; Nanai, com mais fé. Com mais humor, o Mimoso; Nelson, com mais talento; Aché e Caô, com mais graça; Alckmin o faria com mais coração. Mas todos morreram. “Quis o destino que me coubesse essa parte”.

E foi a publicação do livro que inspirou o diretor de cinema Caco de Souza a fazer o filme 400 contra 1, estrelado pelo ator Daniel de Oliveira e por Daniela Escobar. O filme conta a história e o surgimento da Falange Vermelha, que nasceu na década de 1970, no presídio Cândido Mendes, na Ilha Grande, no litoral do Rio de Janeiro, conhecido como o ‘Caldeirão do Diabo. Um grupo de presos resolve se unir para lutar por direitos e ideais coletivos. A Falange cria uma conduta de solidariedade entre os presos, algo inédito até então. No início dos anos 1980, o Comando Vermelho passa a agir nas ruas do Rio de Janeiro, realizando ousados assaltos.

 

Outras Publicações

O livro Comando Vermelho, de autoria de Carlos Amorim, cita em vários trechos, histórias de José Lourival Siqueira Rosa, o ‘Mimoso’. Durante doze anos, Amorim recolheu depoimentos, opiniões e informações oficiais sobre o Comando Vermelho. Carlos Amorim trabalhou nos jornais: A Notícia, O Globo, TV Globo, SBT, Rede Manchete e na TV Record. Criou e dirigiu dezenas de programas e telejornais importantes da televisão brasileira. Escreveu, produziu e dirigiu 56 documentários de televisão.

Existem tantas outras publicações a respeito da Falange Vermelha e mais especificamente sobre o José Lourival Siqueira Rosa, o ‘Mimoso’. Há centenas de citações em livros, publicações de jornais, revistas, vídeos na internet, entre outras publicações sobre a organização criminosa

 


Crime organizado impressionou toda a população

Em seu livro, o jornalista Carlos Amorim comenta que os policiais mais experientes daquela época se atormentavam com uma mudança repentina de comportamento da bandidagem, pois até aquele momento a ação dos bandidos eram indiscriminada  e sem planejamento. Para exemplificar melhor, ele cita um caso de 1980, onde um guarda de segurança de uma transportadora de valores mata todos os seus colegas e foge levando o caminhão blindado para o quintal de sua casa. Loucura total! O ladrão é preso em poucas horas. Era com esse tipo de criminoso que a polícia estava acostumada a lidar.

Com o surgimento da Falange, a cada novo ataque, os bandidos demonstravam as suas garras: armamentos sofisticados, vários carros que transportavam a quadrilha, rádios transmissores utilizados para identificar as barreiras e despistar os policiais, correspondências de presídios com códigos para se comunicar: alfabeto congo, conjunto de sinais e ideogramas que garante um correio seguro, entre outras ações que chamou a atenção de toda a população.

Considerado o Gênio das fugas

Todas as vezes que Mimoso foi preso, fugia. Suas fugas eram tratadas como geniais, como retratou o jornal Ultima Hora de 25/03/1983: "FUGA ESPETACULAR", "TRABALHO DE GÊNIO". A fuga chamou a atenção de toda imprensa do país e os noticiários davam conta de que um dos principais líderes da organização criminosa denominada Falange Vermelha, o assaltante de banco José Lourival Siqueira Rosa, o ‘Mimoso’, fugia de maneira impressionante do Instituto Penitenciário Lemos de Brito.

A fuga ocorreu no início da noite, através de um buraco engenhosamente camuflado, aberto no auditório do presídio. Outros assaltantes também fugiram, mas foram recapturados logo depois, nas ruas próximas ao complexo penitenciário do Frei Caneca. ‘Mimoso’ escapou. A fuga aconteceu quando era projetado o filme "1941", quando houve uma parada na projeção logo no início da sessão e durante cerca de dois minutos o auditório ficou às escuras. Os fugitivos aproveitaram a escuridão e o barulho dos apupos da plateia, levantaram a tampa que escondia o buraco e escaparam.

O alarme só tocou quando um morador da Praça Reverendo Alves Reis, percebeu em frente ao Instituto Félix Pacheco, três homens saírem do bueiro e entrar num Corcel amarelo que os aguardava no local. O plano foi perfeito. Mimoso havia chegado à Lemos de Brito há nove dias, transferido da Ilha Grande. Durante todo o tempo em que lá esteve, quase não saia de sua cela e fazia questão de mostrar aos guardas que lia a Bíblia todos os dias.

No auditório, que tem uma capacidade de 1.200 pessoas, havia cerca de 300 internos. Os presos preferiram ficar nos fundos do auditório, no lado esquerdo, junto à porta de aço que dá para a quadra de esportes e os guardas não desconfiaram de nada. Era ali que estava o buraco perfeitamente camuflado.

A sessão teve início atrasada, às 18h50m. Ao invés de aparecer na tela o filme "O Jogador da Morte", começou a ser projetada a película "1941". Gritaria, assobios e vaias. O plano da fuga prosseguia. De repente, a projeção foi cortada e a gritaria no auditório cresceu. O guarda penitenciário Josias José de Oliveira, que com mais outros três estavam de serviço no auditório, foi ver o que estava acontecendo na cabine de projeção. Lá chegando, o interno responsável pela máquina de projetar disse que estava sendo ajudado naquele tipo de tarefa por um novato, por isto houve a troca de filme. Dois minutos se passaram até a luz voltar ao auditório.

O guarda voltou ao auditório e tudo parecia normal e só depois de muito tempo soou o alarme. Uma pessoa viu quando três homens saíram do bueiro, em frente ao Instituto Félix Pacheco, e avisou aos PMs de serviço. A sessão cinematográfica foi imediatamente suspensa e feita à contagem constatou-se que ‘Mimoso’ havia desaparecido, juntamente com mais cinco internos. Esvaziado o auditório, o chefe da segurança, Manoel Marques, deu inicio à inspeção para achar por onde Mimoso e os outros haviam fugido. Só depois de muito tempo foi achado o buraco utilizado pelos detentos. Para descobrir o ponto de partida da fuga, a Polícia teve que entrar no bueiro e percorrer o caminho contrário, seguindo o fio que servira de guia. Chegaram então, de fora para dentro, num canto do auditório da Lemos de Brito, atrás de uma larga coluna, e puderam constatar que o piso de tacos estava completamente restaurado, de modo a esconder com perfeição a existência de uma tampa, tipo alçapão, muito bem elaborada. A camuflagem foi um trabalho de gênio. Sob a tampa havia um buraco de 40 centímetros de diâmetro e que dava diretamente na galeria de águas pluviais. Lá foram encontradas cinco ponteiras de aço, marreta e enxada de cabos curtos, picareta sem cabo, máquina manual de furar, pedaços de fios elétricos, um par de luvas de couro, uma vela, uma lanterna rústica (confeccionada com papelão), três latas, sacos plásticos, macadame, panos e algumas mudas de roupas. Um almoxarifado.

Em seu livro “400 contra 1”, Willian conta que a especialidade de ‘Mimoso’ eram fugas, baseadas em imaginação, instinto e reflexo. "Mimoso foi enquadrado na Lei de Segurança Nacional, mas não egresso do Fundão. Era uma figura interessante. Participara de mais de vinte assaltos e fora condenado a 398 anos. Estivera na cadeia quatro vezes, fugira iguais quatro vezes e não gostava de conflito”.

Willian relata uma passagem de ‘Mimoso’, onde numa ocasião ele era transferido para a Ilha Grande e conseguiu pular do caminhão do Desipe que o conduzia do porto ao presídio, internando-se nas matas. "Na mesma noite, os cerca de vinte presos que estavam no mesmo caminhão foram colocados no isolamento e violentamente torturados. Eu estava entre eles. Depois de permanecer 21 dias vagando pelas matas da ilha, Mimoso foi recapturado. Recebeu, à queima-roupa, um tiro disparado por um guarda penitenciário e por isso foi transferido para a Lemos de Brito, onde fica o hospital do sistema".

 

Entrevista com mais de 50 jornalistas

O livro Comando Vermelho - A história de um crime organizado, cita uma entrevista em que José Lourival concede para mais de 50 jornalistas após um assalto fracassado contra o Banco Itaú, de Vila Valqueire, no dia 28 de abril de 1981, que terminou num violento tiroteio com quatro mortos e cinco feridos.

O Jorge Batista Sanches, o Naval, um dos primeiros integrantes do Comando Vermelho, é metralhado e morre ao ser socorrido no Hospital Olivério Kraemer. As quedas se multiplicam. Mimoso é apanhado também. Preso sem resistir, dá uma impressionante entrevista no Departamento de Polícia Especializada. Durante sete horas, responde a cinquenta jornalistas. Impressiona pela tranquilidade, o raciocínio articulado, o português correto. Desmente a existência do Comando Vermelho, garantindo que "não passa de uma invenção da polícia que os jornais aceitaram sem pensar". E resume os motivos de seu envolvimento com o banditismo armado:

-  Eu me meti nessa vida porque é grande a desigualdade social. Ninguém pode viver de salário mínimo. Tenho consciência e nunca assaltei residências. Pra que roubar um chefe de família? Assalto empresas, escritórios, bancos. São lugares onde guardam o capital.

O respeito pela cidade de Leopoldina

Entrevistamos muito colegas do José Lourival Siqueira Rosa, o ‘Mimoso’, que em nossa cidade era conhecido como Zezé. Todas as pessoas entrevistadas demonstravam um sentimento de carinho ao lembrar-se de diversas passagens dele antes de se destacar como um criminoso. Outro sentimento percebido foi o de lamentação de uma vida promissora que teve um triste final.

A cidade de Leopoldina era uma terra onde o Zezé tinha muitos amigos. Em todas as suas entrevistas e reportagens de jornais que publicavam sobre a vida pregressa do criminoso, nunca saiu uma linha citando o nome da cidade na qual ele tinha um grande vínculo. Pessoas que tiveram contato com Zezé comentam que ele fazia questão de preservar o nome da cidade.

Certa vez em que três pessoas foram visitar o Zezé no Espírito Santo e comentaram que ele não estava em casa, sendo recepcionados por sua mãe, que ao identificar que aquelas visitas eram colegas de Leopoldina, fez questão de preparar um café e se demonstrou feliz pelo cultivo de boas amizades na cidade, elogiando naquela ocasião: "O José Lourival sempre comenta das amizades de Leopoldina. Ele adora aquela cidade".

A morte

A informação era de que o chefe da Falange Vermelha estava planejando um assalto ao Banco Real, de Resende. O plano foi descoberto pela polícia através de duas pistas diferentes: um informante e a prisão de seis assaltantes, onde os presos denunciaram a ligação de um criminoso com ‘Mimoso’, indicando a casa que serviria  de ponto de encontro na cidade de Volta Redonda-RJ. O cerco foi organizado, e policiais da 54ª DP, de Belford Roxo, durante três dias prepararam uma ação que culminou na morte de ‘Mimoso’, que tomou um tiro na nuca em 1º de junho de 1984, aos 42 anos de idade.

O autor do livro "400 contra 1", Willian da Silva Lima, conta que Mimoso caiu numa emboscada:

— Calma, amigos, vamos conversar.

“Foi tudo o que disse, antes que os policiais dessem um tiro em sua nuca, seguido de outro, chamado de misericórdia”.

O corpo foi oficialmente reconhecido por Maria Delomar Prota, professora, irmã de ‘Mimoso’, que residia em Santo Antônio de Pádua-RJ e naquela ocasião compareceu a 94ª DP para providenciar a transferência do corpo para o cemitério Jardim da Saudade, onde foi sepultado.


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