20/12/2014 às 17h51min - Atualizada em 21/12/2014 às 20h30min

O tempo pode não voltar, mas o que é bom sim

Por Luciano Baía Meneghite

Quando eu nasci, em 1975, grandes personalidades do século XX, como Charles Chaplin, Elvis Presley, entre outros, ainda estavam por aí em carne e osso. Mas, antes que eu pudesse ter noção do mundo, eles se foram. “A Década dos Mortos” foi assim que a antiga revista Veja definiu, em uma retrospectiva no início dos anos 1980, os anos 1970. O texto falava de como os mortos daquela década foram mais importantes que os vivos.

Esse sentimento relativo ao que deixou de existir ter sido mais importante do que aquilo que nasceu ou se criou, de certa forma pode ser estendido à década de 80 do século XX ou a diferentes épocas. Temos mesmo tendência a achar isso, mas no caso específico de Leopoldina, foi realmente a década em que a cidade se despediu de muitos ícones de sua história, tão bem registrados pelo Almanack do Arrebol, que só conheci mais tarde.

Minha visão dos anos 80 é a de um menino. Ainda “peguei” a antiga Leiteria em que eu ficava na ponta dos pés para alcançar o balcão e pegar o iogurte de potinho ou a manteiga em barra, embrulhada em papel xadrez amarelo e vermelho; o Cine Brasil, em que, já quase no apagar definitivo de suas luzes, cheguei a assistir Bruce Lee e os Trapalhões. Os mesmos Trapalhões que certa vez, sem Renato Aragão, se apresentaram em um circo montado no terreno onde antes havia o prédio do Colégio Santa Terezinha.   Eu estava presente e, junto com outras crianças, invadi o palco e levei uma barrigada do Mussum .Eu pequeno, passeando pelas ruas, arrastava meus dedos nas paredes das antigas casas, imaginando mil coisas que haveriam por trás daquelas fachadas.Lojas misteriosas, cheias de segredos,os quais sempre quis desvendar:  A bagunçada loja de ferragens do Sr. Odilon Barbosa, a da Maria Abrahão, outras com com suas prateleiras cheias de brinquedos. Praças, personagens, festas, costumes. Para os mais velhos, hoje acima dos 50, restaram ao menos muitas histórias. Para os que tem mais ou menos a minha idade, acho que foi mais sentido, porque nascemos e crescemos sob despedidas; despedimos daquilo com o que não tivemos tempo de conviver,ou de  aproveitar por mais tempo. Os que nasceram depois dos anos 1990 podem até “sentir saudade do que não viveram”, como já escreveram, mas não sofreram a dor da perda diretamente. Além daquilo que abrange a memória coletiva de toda a cidade, despedimo-nos de outras coisas mais intimamente ligadas ao nosso “quintal”: o campinho do bairro, o pomar, o terreno baldio, as brincadeiras, vizinhos, parentes.

Mas nem tudo mudou para pior, a ditadura acabou, a democracia, mesmo meio capenga vingou. No campo da cultura o próprio Almanack foi uma das grandes iniciativas nesta época; outra foi o Espaço dos Anjos do Raphael, em que, por incentivo da minha tia Izabel, fui um dos primeiros alunos matriculados.Mas, por ansiedade, timidez e teimosia, não fui a mais de duas ou três aulas. No entanto, considero que aprendi com o Raphael, lendo textos escritos por ele , vendo  suas pinturas e com as raras conversas que tivemos.

Na década de 80 ainda vivemos grandes Exposições Agropecuárias e grandes carnavais. Desfilava na Unidos dos Pirineus, cujos ensaios eram praticamente na porta de minha casa.  Vi de perto a transferência para nova sede e o crescimento da Associação do Pessoal da Prefeitura de Leopoldina – APPL, que  teve meu pai, Luiz Otávio Meneghite, como um dos fundadores e presidente. Novas construções, como o Shopping Lac,a rodoviária , novos bairros, enfim, coisas boas também surgiram. Daquela época lembro-me do humorista Lilico batendo bumbo e cantando na Praça é Nossa: “Tempo bom, não volta mais... saudade, tanto tempo faz...” o tempo pode não voltar, mas coisas boas sim. Olha aí o Arrebol!

Publicado na edição especial do Almanack do Arrebol de Novembro/Dezembro de 2014

 


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