29/07/2015 às 09h27min - Atualizada em 29/07/2015 às 09h27min

Transmissão de jogo de futebol pelo Xamego

Leopoldina

Por José Márcio Pereira da Silva, Zequinha 

 Realmente Leopoldina é uma cidade pequena, mas o Brito exagerou quando a descreveu.

— Zeca, essa sua cidade é tão pequena que, só tem o cemitério, a pracinha,

a quitanda e a casa do seu pai.

Não é exatamente assim. Afinal, ele estava se esquecendo da Igreja e do campo de futebol. Aliás, foi nesse campo que eu dei os meus primeiros chutes em uma bola. E,foi lá também que eu presenciei algumas cenas engraçadas e até mesmo absurdas.Mas como eu ia dizendo,Leopoldina, como toda cidade de interior, leva uma vida pacata, sem muitas novidades. Lá todos se conhecem e qualquer coisa que acontece, todos ficam sabendo. Aquele velho esquema: pra que jornal, se as comadres estão sempre dando os furos em primeira mão?

 Quando a gente sai à rua mais parece político em véspera de eleição.Acena aqui, cumprimenta ali...

- Oba Zé!

- Obá!

 Dois passos adiante a mesma coisa. E assim você cumprimenta uma pessoa umas dez vezes num só dia.Certa vez, eu ainda era criança, chegou a Leopoldina um circo, trazendo como atração o palhaço Xamego. Ele logo se identificou com a cidade e quando o circo estava de partida, ele resolveu abandoná-lo para estabelecer por lá. Xamego fez de tudo na cidade. Foi motorista de táxi, radialista e mais uma série de outras coisas, incluindo uma carreira na Câmara. Conseguiu se eleger vereador. Como repórter esportivo, ele era incomparável. Quando havia jogo na cidade, lá ia ele com todo o seu equipamento transmissor e se instalava no alto de um palanque que ele próprio construiu.

 Leopoldina possuía o seu time local, o Ribeiro Junqueira. Era uma boa equipe e geralmente participava da final do campeonato da região. Uma ocasião, convidaram um time da cidade de Campos para jogar em nossa cidade. Time do interior não tem concentração, portanto a preleção geralmente é feita no campo, antes do início da partida. E esta foi a preleção mais direta e positiva que eu já pude ouvir em toda minha vida. O técnico reuniu seus jogadores no centro do gramado para dar instruções de como eles deveriam se portar.

- Eu quero o goleiro avuando igual avião. Os beques explodindo igual bomba. Os laterais indo e vindo igual sanfona. O meio de campo subindoe descendo igual ioiô. Os pontas abrindo e fechando igual cu de cabrito e os ponta de lança atirando igual canhão! Ele só esqueceu-se de dizer que o alvo era o gol.

Enquanto o espetáculo não começava, o Xamego do alto de seu palanque fazia os comentários a respeito das equipes e das figuras mais importantes que chegavam ao estádio para assistir a peleja. Do alto das árvores mais próximas, crianças atiravam pedras e frutas no comentarista e seu assistente.

— Entra em campo o trio de arbitragem, estamos aguardando a entrada das equipes... Sai daí muleque fiadaputa!

Um menino tentava subir no palanque e puxava o fio do microfone.

— Agora entra o Ribeiro Junqueira. Vai lá Tonho entrevista o Zé Roberto.

Zé Roberto era o astro do time. E lá se foi o Tonho, a mais recente inovação do Xamego; um repórter de campo, coisa que naquela época só existia no Maracanã.

— Estamos aqui conversando com o nosso querido Zé Roberto. Fala aí Zé.

— É um prazer estar falando mais uma vez para a Rádio Leopoldina...

— Bonito esse seu calçado. É nova a chuteira?

— É, comprei lá no Lolinha.

— Ô Tonho, pergunta do jogo sô.

— Ah, ta bem. E o jogo Zé?

— O jogo... ó, vai começa.

— É, então ta... te logo Zé.

— Té logo.

— Esse foi o Zé Roberto falando para os ouvintes da ZYK5 Rádio Leopoldina. Fala Xamego... fala Xamego... Ô Xamego, cê ta surdo?

— Atenção senhoras e senhores vai ter início a partida. Foi dada a saída, a saída foi dada. Bola com Popota, que estica na esquerda pra Barão. Barão levanta a Popota. Agora a bola ta subindo, subindo, subindo e agora ta descendo, descendo,descendo...

— Ô Xamego, pára essa transmissão aí sô!

— Por que uai?

— Tá faltando energia na cidade.

— E daí Zé Pedro, cê num sabe que já tem rádio de pilha? ...e bola no pé de Bacurau, que atrasa pra Popota... já num mandei cês saí daí seus pestes de merda.

Opa, o jogo parou. Ô Tonho, que houve aí?

— O juiz parou o jogo pra gente

escutar um minuto de silêncio.

— Uai, quem foi que morreu?

— Foi o seu Luisinho.

— O Luisinho padeiro?

— É correto.

Shshshshshshshshshshshsh...

Acabamos de ouvir um minuto de silêncio.

— Casas Pernambucanas informa:quarenta minutos da etapa final.

O placar continua zero a zero. Bola com Zé Roberto que entra na área, atenção vai marcar... foi calçado... penalty, peeennaaaltyyyy! Uai, o juiz não marcou. Ladrão, juiz

ladrão, fiadaputa! Epa, começou a confusão no campo. Enquanto o pau come lá dentro, vou aproveitar pra fazer a minha campanha. As eleições tão chegando. Votem em mim pra vereador, que eu vou acabar com esse negócio de rico dormir em cama de colchão mole enquanto, pobre dorme em cama de pau duro.

— Ei Xamego, só quero ver se você mantém a sua palavra depois de eleito.

— Manto, manto sim. Vocês num se lembram da minha gestação passada?

 

   José Márcio Pereira da Silva é Leopoldinense, ex-jogador de futebol (Flamengo, Botafogo, Grêmio, São Paulo e Seleção Brasileira). Jogou com diversos craques do futebol como Garrincha, Pelé, Jairzinho, Gerson,Brito, Paulo César Caju, Nei Conceição, Leônidas, Marinho Chagas, Fischer e outros . Atualmente é treinador de futebol de equipes masculinas e femininas do Dallas Forth Worth em Dallas no Texas – EUA.

 

 

 

 


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