04/10/2015 às 18h01min - Atualizada em 04/10/2015 às 18h01min

Os Noventa Anos da Professora Miracy

Miracy Ferraz do Carmo.

Carlos M. G. Barbosa

Quem passa pela Avenida Juscelino Kubitschek, na altura da antiga “FEEA”, atual IMBEL (Indústria de Material Bélico), indo do centro de Juiz de Fora para Benfica, observa, a sua esquerda, uma vasta praça toda recoberta de gramados onde, no centro,destaca-se uma fonte com um pedestal, que sustenta um busto de bronze do grande herói da Marinha de Guerra Brasileira, Almirante T a m a n d a ré. A praça, imensa e vazia, tem o nome de Praça Almirante Tamandaré.     Um dos lados da praça ostenta um pedestal  menor, que sustenta um busto também de bronze de um segundo almirante, o Almirante Barroso . Próximas, destacam-se, muito juntas, duas escolas de ensino fundamental: A “Escola Estadual Professor Francisco Faria” e a “Escola Estadual Almirante Barroso” Foi nessa última que a professora D. Miracy Ferraz do Carmo ( “ M i r a “ ,no apelido afetuoso pelo qual ela é conhecida pelas suas colegas de ofício e também pela diretora do estabelecimento), além de outras funções, lecionou por mais de duas décadas, com dedicação, competência, paciência quase infinita e ... muito amor.

O magistério é uma profissão assaz espinhosa; requer, antes de qualquer outra coisa, v o c a ç ã o, uma obstinação quase fanática, um manancial de energia física, mental e espiritual e uma dedicação dentro de um padrão de autêntica religiosidade. Todo trabalho, seja ele qual for, somente é realizado por longo tempo se houver a devida  m o t i v a ç ã o. E, se analisarmos fria e objetivamente os níveis de remuneração , os salários pagos às pessoas encarregadas da tão importante tarefa de educação da infância e da juventude em nosso país, muito cedo chegaremos à conclusão, muito acertadamente, de que, nesse pormenor, tal motivação é o que de menos existe.

Dinâmica e resoluta, a professora D. Miracy comparecia diariamente, sempre com pontualidade exemplar, encarando com resolução, muita competência e máxima boa vontade, dia após dia, turmas infantis agitadas, turbulentas e ruidosas de “até” sessenta alunos ... ou mais. Já foi dito que toda carreira profissional consiste, por si mesma, numa prova ou teste vocacional. Se assim é , a nossa personagem foi, sem sombra de dúvida, mais do que  plenamente aprovada. Muito mais do que isso recebeu eminente consagração pelos seus méritos, com testemunhos diários, mês após mês, ano após ano, durante décadas. Numa visita de surpresa à Escola Estadual Almirante Barroso, conseguimos entrevistar duas professoras que ainda hoje ali lecionam, e que foram contemporâneas de D. Miracy, quando ela, então promovida, atuava como auxiliar de secretaria. São elas: D. Neuza Maria Pereira Malta e D. Vânia Lúcia Meireles. Em entrevistas separadas, ambas foram categóricas em seus testemunhos a respeito de sua tão estimada colega de profissão, D. M i r a c y, como uma pessoa sempre muito querida de todos, muito prestativa, incansável e absolutamente dedicada e integrada a todas as suas funções.

Legalmente habilitada para exercer  profissão a partir do ano de 1 9 5 2 ,iniciou de fato o seu trabalho no ano seguinte, 1 9 5 3. Foi admitida na Escola Estadual Almirante Barroso em 1 9 5 7.  A partir de uma quarta feira, 9 de fevereiro de 1983, foi promovida e passou a exercer a função de auxiliar de secretaria; função essa que veio coroar sua tão bem sucedida carreira. Em setembro de 1984 foi promovida ao grau “E”. Aposentou-se no começo de 1985.

A professora D. Miracy Ferraz do Carmo encaixa-se muito bem no perfil da professora brasileira descrita pelo célebre chargista Z i r a l d o,em sua consagrada  obra publicada, faz algum tempo, denominada “UMA    PROFESSORA MUITO MALUQUINHA “ .

A família de D. Miracy possui raízes de origem e ascendência na Nobreza Lusitana do Século Dezoito, tendo, como antepassado, um tanto quanto remoto, o Sexto Visconde de Barbacena : Luiz António Furtado de Castro R i o Mendonça e  F a r o –( 1 7 5 4  -  1 8 3 O ), que foi governador da ( então assim denominada) Província de Minas Gerais, nos dias da trágica e malfadada  Inconfidência” Mineira”.

Ela veio a este mundo na localidade de P i a c a t u b a, Minas Gerais, antiga “Curato de Nossa Senhora da Piedade”; e era o último dia de setembro, uma quarta feira de primavera. Situada no coração da Zona da Mata Mineira, Piacatuba encontra-se hoje incorporada ao município de  Leopoldina. Nessas latitudes tropicais, a pouca altitude conspira com a latitude para manter elevada a temperatura. Nos meses de verão, o mercúrio dos termômetros é, sem cerimônia, empurrado para cima, rondando freqüentemente a casa dos quarenta graus centígrados  e, às vezes, ultrapassando mesmo aquela marca. Janeiro,fevereiro e março podem mesmo vir a constituir uma provação para quem é sensível ao calor. E, mesmo nos meses de inverno, junho, julho e agosto, o calor pode fazer sentir sua presença com inesperados veranicos, como que para mandar” lembranças”. As chuvas, que costumam ser tão freqüentes quanto imprevisíveis nesse clima tropical, geralmente proporcionam um alívio refrescante em um dia poeirento de calor abafado ... ainda bem.

 

Os pais Paulino de Oliveira Carmo e Enedina Ferraz do Carmo e os 11 filhos, entre eles Miracy.

 

Naqueles tempos, o B r a s i l  vivia a reta final da Velha República, e o dinheiro grande que entrava no país procedia das exportações de c a f é. Quando a pequena M i r a c y  nasceu, a sociedade, sem o saber, vivia os últimos dias de uma velha  e r a . E os velhos tempos iriam, em breve, mudar.

Seus genitores, Paulino de Oliveira Carmo e Enedina a Ferraz  do Carmo geraram e criaram numerosa prole, o que era comum e costume naqueles tempos, sobretudo em se tratando de famílias do interior e radicadas na zona rural.  E a pequena Miracy cresceu cercada por uma dezena de irmãos que, somados à ela ,totalizavam onze. Contemplando fotos da família tomadas naqueles tempos, analisamos e deduzimos que se tratava de uma gente austera,trabalhadora,enérgica e nem um pouco dada à prática ou cultivo de frivolidades.

Seu pai era produtor rural, com negócios sob rigoroso controle;todos os pagamentos rigorosamente em dia, radicalmente avesso a endividamentos,do tipo que não admite credores e, muito menos, cobradores em sua porta. Tal caráter, ao que tudo indica, tal qual pudemos observar, foi herdado pelos seus descendentes em mais de uma geração. Pelo menos, em se tratando de personalidades que constam do rol do nosso pessoal relacionamento. Partiu deste mundo com a avançada idade de oitenta e quatro anos, naquele ano bissexto de  1 9 8 4, três anos após a sua consorte, D. Enedina, que o precedera em 1 9 8 1 .

Mamãe  Enedina  era também muito – muito, muito “prendas do lar”, dedicando-se, entre outras atividades, à tecelagem; e também à confecção de rendas; e ainda fazia agradáveis e atraentes serestas, dedilhando com muito talento o seu  v i o l ã o.

D. Miracy foi a terceira de onze irmãos que foram, em ordem cronológica : Maria, Manoel, Miracy, Mailde, Mirtes, Manoelina, Maurillo, Milton, Miguel, Mirony e Moacir.Seu irmão Milton, hoje residente em Pequery-MG, conta: “ Ela foi uma verdadeira mãezinha para mim. Me banhava, me vestia, me penteava e me levava a passear.  A outra irmã , M a i l d e , tinha idêntica atitude com relação ao outro irmão M a u r i l l o Agostinho. Dos onze irmãos restam hoje ( setembro de 2O15 ) tão somente quatro sobreviventes : M i r a c y, Mirtes, Milton e Moacir.

Papai Paulino não poupou esforços e nem despesas para proporcionar aos filhos uma esmerada escolaridade e educação. Nas palavras de um dos filhos, hoje sobrevivente: “Só não estudou quem não quis” Três das quatro filhas estudaram e se formaram para o exercício do magistério... entre elas, D. Miracy, personagem principal deste trabalho.

 

No ofício do magistério,ela deu aulas também em Piacatuba.

A família, na década de trinta do Século Vinte próximo passado residia na região próxima à fazenda de Ozório Pereira, naquele tempo, um dos mais conhecidos fazendeiros da região de São João Nepomuceno, em Minas Gerais. Paulino de Oliveira Carmo, pai de Miracy, chegou a possuir um sítio de trinta alqueires, onde se plantava café, cana de açúcar, e etc, sem faltar mesmo um considerável e rendoso rebanho de gado leiteiro. O sítio ficava situado na região das povoações de Aracy, São José, T a r u a ç u  e Roça Grande. Nesta última estava instalada uma indústria abastecida pela cana-de-açúcar (álcool, açúcar, aguardente etc.). Não confundir com outra Roça Grande, situada na estrada que liga  L e o p o l d i n a   a  Além Paraíba.

 

Nos dias de hoje Dona Miracy desfruta da paz e do conforto do seu  lar ancestral , impregnado de nostálgicas e gratas  memórias, situado na  cidade próxima de São João Nepomuceno, onde a família possui  uma vistosa chácara na periferia da área principal da cidade. Sempre e sempre acompanhada pela sua tão querida irmã, D. Myrtes ( tia Myrtes ).  Lá, em São João Nepomuceno, ela dispõe, na casa de seus antepassados, onde viveu sua infância e juventude, de um ambiente tranqüilo, aprazível, i d e a l  para o repouso físico e mental, feito  para meditação, contemplação e reposição das energias do corpo, da mente e do espírito. E é também um local povoado de recordações onde, enquanto existirem descendentes, um passado tão grato estará sempre presente.

 

Enviado por Jean Menezes do Carmo


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