22/04/2014 às 09h53min - Atualizada em 22/04/2014 às 09h53min

Padre Júlio Forentini

Primeiros anos do século XX

Por José do Carmo Machado Rodrigues
Arquivo - Gazeta de Leopoldina
 No do livro “Nossas Ruas, Nossa Gente”, de Nilza Cantoni e José Luiz Machado Rodrigues, minucioso estudo sobre as ruas da cidade de Leopoldina, MG, à página 129, assim informam os autores na rubrica “Rua Padre Júlio”.

 “...É uma homenagem ao padre Júlio (Giulio) Fiorentini, nascido no dia 24 de maio de 1850 e que veio para Leopoldina em 1896, aqui permanecendo até sua morte no dia 8 de maio de 1924.

 Padre Júlio esteve à frente de diversas obras meritórias em Leopoldina. Junto ao padre Felix Poisot, inaugurou a Nova Escola em 1908, um instituto de estudos secundários dedicado à formação dos moços para trabalhos teóricos e práticos na agricultura, assim como para as Letras e para a carreira eclesiástica. Em 1922, por influência sua, foi fundado o Patronato para meninas carentes, instituição que só veio a ser inaugurada a 24 de maio de 1946, com o nome de Patronato Dona Lenita Junqueira.

 A Gazeta de 13.03.1898 informa que em 06.03.1898 foi instalada a Comarca Eclesiástica de Leopoldina, criada pelo Bispo de Mariana, D. Silvério Gomes Pimenta, sendo pároco o padre Júlio Fiorentini.

 Dos livros paroquiais de sua época, bem como das atas de visitação às paróquias dos distritos, observa-se que era muito exigente. Por ocasião da rejeição, manifestada pelos paroquianos de Piacatuba, a um padre que lhes dava assistência, o padre Júlio esteve no distrito e deixou suas observações bem explicadas no livro daquela Igreja.”

 Consta que o Patronato para meninas carentes, depois denominado Orfanato Dona Lenita Junqueira, situado numa propriedade rural de nove alqueires contíguos ao perímetro urbano de Leopoldina, foi adquirido com jóias de propriedade do Padre Júlio, que fez constar em seus estatutos que, quando extinta, a instituição teria seus bens incorporados à Casa de Caridade Leopoldinense. Aliás, o texto dos estatutos originais do Orfanato não deixam dúvidas quanto a tal destinação. Não obstante, sucessivas alterações estatutárias através dos anos, vieram fixar destinação diversa aos bens remanescentes da obra de Padre Júlio Fiorentini.

 A personalidade forte de Padre Júlio parece confirmada no anedotário que em torno dele teve curso entre as pessoas mais idosas que o conheceram em Leopoldina, e, também, num trecho para nós surpreendente do Historiador Baiano, José Carlos Pinheiro - do Centro de Estudos Euclydes da Cunha (CEEC/UNEB) - em artigo publicado inicialmente na Revista CANUDOS n.2 (CEEC/UNEB), em Outubro/1997.
Escreve José Carlos Pinheiro em: http://www.portfolium.com.br/Sites/Canudos/conteudo.asp?IDPublicacao=64 (mantida redação original):

 “Fato é, que em telegrama, datado de 29 de outubro de 1896 dirigido ao Governador da Bahia, Conselheiro Luis Viana, o Juiz Arlindo Leoni (1869 - 1936), da Comarca de Juazeiro, invoca a ação do Estado. Diz o telegrama : "Conselheiro Governador. Notícias transmitidas por positivo confirmam boato da vinda do perverso Antonio Conselheiro reunido a bandidos; partirão Canudos 2 vindouro. População receosa. Cidade sem garantias. Requisito enérgicas providencias. Juiz de Direito. Arlindo Leoni".

 A agitação do Clero estava expressa nas correspondências confidenciais dirigidas ao Arcebispado da Bahia. Um dos párocos, o vigário coadjutor de Inhambupe, Júlio Fiorentini, foi o mais ardoroso opositor de Antônio Conselheiro, conforme explicita a sua correspondência, uma delas afirma ser o peregrino cearense, "o lobo devorador de almas, que tem feito e continua a fazer um mal horrível ao rebanho". E é mais contundente: "O tal Antonio Conselheiro ainda anda em roda das freguesias de Inhambupe, Aporá e Itapicuru, continuando sempre o seo plano de ataque a religião Catholica de Roma e a moralidade -. O pobre infeliz rodiado de mais de centocinquenta homens armados, pretende sustentar por força o mal que fez, constrangindo assim os catholicos incautos a ouvirem suas pervesas douctrinas, assaltando como um ladrão e bandido, os lugares onde pensa fazer alguma conquista e ingrandecer por esse modo o seu sequito criminoso - Senhor o tal homem, procede de tal forma, que fascina, attrahe, seduz os pobres ignorantes a seguil-lo, ficando assim, não somente a religião Catholica Romana, que é também a do Estado, opprimida; mas a vida dos cidadões compromethida e atacada, pois elles Antonio Conselheiro e seos bravos ameaçam de morte todos que tem a ousadia de resistir ou obstar os planos diabolicos do novo heretico, o herege furibundo e ferino - Os Sacerdotes, parochos, que tem zelo e pretendem espellir de suas freguesias o tal energumeno chefe de horrorosa quadrilha de ladroes e assasinos, vem-se perseguidos, atacados ameaçados de morte, tal forma que as autoridades locaes, sem as forças precisas para repellir tanto mal, são obrigadas a presenciar as mais horripilantes trajédias -. ...Senhor as coisas andam de tal forma, que não é mais possivel ellas continuarem assim, e se do alto não vierem providencias energicas não somente a religião Catholica terá muito a soffrer, mas a sociedade haverá a deplorar gravissimos dannos. É pois um dever sagrado que eu tenho de informar Va. Exa. Rmã. observando mui respeitosamente, que é absolutamente necessario que Va. Exa. Rmã. s’intenda com o Exmõ. Sr. Presidente da Provincia e este com o Exmõ Dr. Chefe de Policia, para que sem demora venha um socorro aos povos do centro, particolarmente de Inhambupe, Aporá e Itapicurú que se acham atacados pelos compos do perverso herege perturbando assim a tranquilidade publica sosego das familias e a pax das consciencias. ... É necessario prevenir as Autoridades Eclesiasticas e Civis, para que em tempo sejam dadas as devidas providencias, afim de que não tenhamos a deplorar maiores males. - ... e em nome dos Cidadões Brasileiros, Bahianos, que se vêm atacados em seos bens em suas propriedades, que Va. Exa. Rmã. haja por bem dar providencias energicas, intendendose com o Sabio Governo da Provincia, porque é de suma urgencia, que o tal homem e seos capangas sejam repellidos".

 As datas são compatíveis com a vinda de Padre Júlio Fiorentini para Leopoldina, sem que, todavia, tenhamos checado, com segurança absoluta, a hipótese de homonímia. O Padre, Monsenhor Antonio José Chamel, atual Administrador de Patrimônio e Arquivo Histórico de nossa Diocese, revela-nos ter dois testemunhos de que, realmente, o Padre Júlio Fiorentini veio para Leopoldina, proveniente da Bahia, por decisão da Diocese do Rio de Janeiro, a qual, na época, jurisdicionava Leopoldina e região. Parece certo, portanto, que o nosso Pe. Júlio Fiorentini é o mesmo que desafiou Antonio Conselheiro, no histórico episódio de Canudos.

 A campanha de Canudos se deu entre 7 de novembro de 1896 e 5 de outubro de 1897, com a total destruição do Arraial de Canudos, a morte de cerca de vinte mil sertanejos e cinco mil soldados.

 A vinda do Padre Júlio Fiorentini para Leopoldina deu-se, exatamente, no ano de 1896, o que torna possível admitir sua participação na campanha do Clero e dos Fazendeiros do sertão baiano, de Canudos e imediações, contra o beato Antonio Conselheiro.

 Considere-se, ainda, que na obra de Roberto Capri, “Minas Gerais e seus Municípios”, edição de 1916, levantada pela historiadora leopoldinense, Nilza Cantoni, exatamente às pag. 237 a 262, lê-se menção ao Padre Júlio Fiorentini no o espaço aberto pelo autor às igrejas de Leopoldina: (literis)

 “... Outro templo é a Egreja do Rosário, no largo homonymo. É esssa egreja um mimo de belleza e de arte, toda branca e sorridente de amor e de caridade.

 As decorações, em branco e ouro, são admiráveis, como assim a sua alta torre, o altar-mór de N. S. do Rosário, tendo á direita o S. Coração de Jesus e á esquerda S. Cecília. Bellas também as estatuas de S. José e de S. Benedicto. É vigário da Parochia Monsenhor Júlio Fiorentini, tendo como coadjutor o Rvmo. Padre João Manoel Trocado.”

 Em dezembro de 1890 o Padre Júlio Fiorentini teria estado em Vila do Raso, BA, que se emancipava do município de Tucano. É o que lemos na página eletrônica da prefeitura daquela comunidade baiana:

 “Criação: Depois da construção da igreja e criação da Freguesia de Nossa Senhora da Conceição do Raso, em setembro de 1889, o tenente Amerino de Oliveira Lima convocou uma reunião da qual saíra uma Comissão de dez nomes que levariam um abaixo-assinado ao Barão de Jeremoabo, Dr. Cícero Dantas, pedindo-lhe o apoio no enfrentamento do intendente de Tucano e junto ao governador para que esse determinasse a emancipação do Raso. Com tal apoio, o Governador baixou o ATO:

 '… o Governador do Estado resolve, pelo presente Ato, elevar a Freguesia de Nossa senhora da Conceição do Raso, desmembrada do município de Tucano, à categoria de VILA, com a denominação de VILA DO RASO, continuando a fazer parte da Comarca de Serrinha. (Palácio do Governo do estado da Bahia, 13 de dezembro de 1890)'

 Este Ato dá inicio à vida administrativa, sendo instalado o município do Raso, sendo nomeado o padre Júlio Fiorentini seu primeiro Intendente e o tenente Amerino de Oliveira Lima o secretário da Intendência.”

 Do anedotário leopoldinense, nos conta Francisco Mendonça Gama, reproduzindo relato de seu velho pai, que o Pe. Júlio era uma alma delicada, mas, às vezes, se tornava ríspido nas atitudes.

 Certa feita, não iniciou a celebração de uma missa com uma frase, a princípio, incompreensível:
- Só começo a missa quando o urubu sair... Sai, urubu! Sai, urubu!
Ninguém entendia e ele seguiu repetindo:
-Sai urubu!
A mãe de Chiquinho Gama só entendeu que era com ela quando o sacerdote passou a enxotá-la com o indicador apontando diretamente para ela que, realmente, estava vestida de preto, num dos primeiros bancos da igreja, inadvertidamente no meio das Filhas de Maria, todas de vestidas branco...

 Numa outra ocasião, reclamou ao Delegado de Polícia que lhe haviam roubado um faqueiro de prata. Não demorou muito o Delegado, Sr. Francisco Gama, apareceu na sacristia e entregou ao Pe. Júlio o faqueiro, dizendo:
- Está aqui, Padre, o objeto do furto. O ladrão já está preso.
Ao que Pe. Júlio respondeu.
- Preso? Mas preso por quê?
Ora Padre, porque furtou, porque é ladrão confesso.
-Não, não. Eu quero ir lá no delegacia.
E lá foi o Padre Júlio, levando o faqueiro debaixo do braço.
-Solte ele, seu delegado.
-Soltar?
-É, solte ele para ele levar faqueiro pra casa. É presente que tô dando a ele.
E lá se foi, livre e feliz, um ladrão confuso com a própria sorte.

 Conta, ainda, o Sr. Francisco Gama, ex-delegado de polícia na época do Padre Júlio em Leopoldina, e pai de Chiquinho Gama que nos repassa a história, que, certa vez, na Procissão do Enterro, o pessoal incumbido de ir descendo da cruz a imagem do Cristo, estava orientado por Padre Júlio a fazê-lo "à medida que ele fosse discorrendo ao público presente na Igreja, sobre todos os padecimentos sofridos e castigos infligidos ao Filho de Deus, antes e durante a crucificação"... Ou seja, a descida da imagem deveria guardar coerência com o relato que Padre Júlio ia desenvolvendo.
O Sacerdote, entretanto, falava pessimamente o português, num sotaque italiano difícil de compreender e reproduzir:
-"Coitxado, xofreu muito, ox ispinho ferindo o texta di-Ele, coitxado, passáro vinagre no boca di-Ele, coitxado..."

 Deu-se, porém, que a essa altura da homilia, os ajudantes já estavam com a imagem no chão, inteiramente descida da cruz...
Virando-se para trás e vendo que a imagem já não pendia da cruz, Fiorentine abriu parêntesis para a bronca severa:
- E eu ainda extou falano, né! Eu disse pra descer Ele devagar, devagar... agora já puzeram Ele no chão!
-Vorta com Ele pra cruz... Bota de novo os prego nas mão Dele!

 Nossa família – Rodrigues - também guarda na tradição, uma passagem do Padre Júlio Fiorentini, absolutamente curiosa e verdadeira.
Vovó Mariquinhas, mãe de meu pai, contava que sua filha, Lúcia, nascida em 02.09.1913, foi levada a batismo, semanas depois, com o Padre Júlio.
No curso da cerimônia, Padre Júlio perguntou:
- Quali o nome di ela?
-Será Lúcia, padre.
-Num inxisti Lútia... Lútia, Lugía é... Lútia, Lugia é!... (com a tônica no “i”...)
-Eu ti batizo Lugía, in nomine patre et filii...
-Não é Luzia, não, padre... É Lúcia!
-Já falei que Lútia, Lugia é. Lútia, Lugia é!...
-Eu ti batizo Lugia, in nomine...

 Resultado, minha tia Lúcia, carregou dois nomes pela vida toda: foi registrada como Lúcia, mas batizada como Luzia! A família muito religiosa, nunca deixou de considerar seu “nome de batismo”... Nos documentos, entretanto, estava lá: Lúcia de Oliveira Rodrigues, depois, com o casamento, Lúcia Rodrigues Monteiro.

 O escritor e poeta português, Miguel Torga, que chegou ao Brasil aos 13 anos, em 1920, e voltou para Portugal em 1925, tendo estudado no então “Gymnasio Leopoldinense” até sua partida, no seu livro “A Criação do Mundo” - Ed. Nova Fronteira, 1996, Rio de Janeiro, ao capítulo “O Segundo Dia”, a partir de pág. 149 - após elogios ao Professor Júlio Ferreira Caboclo, faz menção ao falecimento do Padre Júlio Fiorentini, nas seguintes palavras:

 “Havia, é certo, o exemplo cívico do professor Caboclo. Mas a própria altura do seu comportamento o tornava inacessível. Embora de carne e osso, parecia-nos mitológico. Real e perto de nós, só a figura do padre Júlio. Infelizmente, morrera quando ninguém esperava. Todos o adoravam. Que soubéssemos, nem missa rezava. Era o homem bom e santo que admirávamos nele, e não o colega do muitos funcionários da fé, que conhecíamos. O que nunca falava no céu nem no inferno, que raras vezes nomeava Deus, mas que irradiava bondade, simpatia e confiança. Cada geração que vinha freqüentar o Ginásio herdava da anterior o respeito por aquele velho, que passava na rua e deixava atrás de si um rastro de santidade encarnada.

 Mal a notícia de sua morte começou a circular, corri a vê-lo, estendido na cama, cercado da colecção de bichos embalsamados que enchiam as estantes semeadas pela casa fora. Fulminara-o uma síncope. E ali estava como qualquer dos exemplares catalogados, muito magrinho, muito branco, vestido de preto, sem ar de cadáver. Parecia dizer, na sua compostura, que era inútil enterrá-lo. Bastava que o pusessem num dos armários da sala, com um rótulo por baixo.

 Apesar disso, lá o levamos no dia seguinte aos ombros para o cemitério. Foi um passeio vagaroso, como ele os costumava dar com o seus setenta anos, silenciosos e melancólicos, sem lágrimas e sem clamores, todo o acompanhamento compenetrado de que a cidade ficara mais pobre. Eu pelo menos, assim o entendi...” (cópia literal)

 (Cita, ainda, Miguel Torga, à pag. 152, passagens curiosas de seu tempo de Ginásio, em Leopoldina, e alguns nomes de colegas seus, como o “Kio Junqueira”, ninguém menos que o Sr. Eugênio Junqueira Filho, falecido marido de Da. Glória Rodrigues Junqueira, pai dos nossos queridos amigos, Douglas (Duguinha), Aparecida, Dufles, Custódio, Dolores e Narley).

 Sobre como era o Padre Júlio Fiorentini, impossível retrato mais autorizado do que este traçado por seu admirador, o aluno brilhante do Gymnásio Leopoldinense, Adolfo Correia Rocha, de 18 anos, que mais tarde se tornaria médico por Coimbra e o mundialmente conhecido escritor “Miguel Torga”.


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