05/10/2023 às 09h29min - Atualizada em 05/10/2023 às 09h29min

Mais recursos e políticas para população de rua são reivindicados

Ativistas da causa participaram de audiência nesta quarta (4), quando foi lançada a frente em defesa do segmento.

Público expressivo compareceu à reunião de lançamento da frente em defesa da população de rua (Foto: Daniel Protzner)

Destinar recursos para as políticas públicas voltadas para a população em situação de rua, de modo a garantir o cumprimento das normas que já preveem direitos para esse público. Essa foi a principal demanda trazida por movimentos, entidades e órgãos que lidam com o segmento, em reunião da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta quarta-feira (4/10/23).

Requerida pela deputada Bella Gonçalves (PSOL), vice-presidente da comissão, a audiência pública foi também o palco para o lançamento da Frente Parlamentar em Defesa da População de Rua. A reunião ainda evidenciou o fato de que essa população, em sua maioria negra, tem sido invisibilizada desde o início da colonização do País, revelando o racismo estrutural marcante na sociedade como grande causa da exclusão social.

Olga Inah Ribeiro, do Fórum Municipal da População em Situação de Rua, indicou como pautas prioritárias a luta pela implantação do plano de trabalho e do comitê intersetorial para propor políticas públicas voltados ao segmento. Todas essas medidas estão previstas na Lei Estadual 20.846, de 2013, que contém vários pontos ainda não implementados.

A ativista afirmou que a luta pela população de rua está aliada a luta anti-racista e anti-capitalista, uma vez que há um desemprego estrutural no Brasil, que atinge especialmente a população negra. Ela criticou ainda o discurso higienista e conservador, que tenta negar direitos a esse segmento: “Parte da sociedade acredita que viver na rua é escolha, que essas pessoas são vagabundas e sujos. Essa parcela tem alimentado esse discurso e se organizado. E nós, do campo progressista, temos que nos organizar para esclarecer a população”.

Habitação 

Bella Gonçalves disse que essa população cresceu mais de 200% nas principais cidades do País, levando para essa situação em sua maioria negras e negros. Em Belo Horizonte, são mais de 11 mil pessoas e no Estado, mais de 22 mil, número que é superior à população de 653 municípios mineiros. Ela registrou que há milhares de imóveis ociosos só na Capital, que poderiam abrigar toda a população de rua, se houvesse políticas públicas direcionadas. Essa será, segundo a deputada, uma das lutas empreendidas pela frente. 

Samuel Rodrigues, do Movimento Nacional da População de Rua, lamentou que Minas Gerais é um dos estados que mais viola direitos da população em situação de rua. Ele considerou a frente como mais um instrumento a ser usado em favor da causa. E completou que a instância poderá ampliar a luta pela real implementação da lei estadual, com garantia de recursos e políticas públicas.

A vereadora de Belo Horizonte Isa Lourença lembrou que os progressistas são minoria na maior parte dos parlamentos brasileiros, mas que, com os movimentos sociais, os políticos identificados com a causa se fortalecem. Ela citou a atuação da CPI em funcionamento na Câmara Municipal que trata da população de rua, mas com um viés preconceituoso. “As pessoas em situação de rua são majoritariamente negras porque são vítimas do racismo, que construiu o Brasil e que nega direitos a esse público”, avaliou.

Subnotificação

Egidia Almeida, pesquisadora do Polos UFMG, falou sobre o trabalho do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua. Ela disse que a entidade busca pesquisar como estão os serviços de saúde, acolhimento, além do acesso a direitos, como à água e à moradia. Também destacou que o Observatório constatou que a maior parte dos dados sobre essa população, em níveis nacional, estadual e local, está subnotificada. Também avaliou que as leis e normas direcionadas ao segmento parecem estar “suspensas”, pois não são cumpridas.

Nesse sentido, expressou-se Elke Houghton, coordenadora estadual de Defesa dos Direitos dessa população e dos Catadores de Materiais Recicláveis. Ela considerou que há uma verdadeira ocultação dessa população por meio da ausência ou inconsistência dos dados. Para tentar minimizar o problema, sua entidade realiza uma pesquisa estadual sobre o segmento, buscando responder a questões envolvendo a aplicação da Lei 20.846, que está completando 10 anos.

Poder público reclama da falta de recursos

Representando o Governo de Minas, Luiza Silva Lima, diretora de políticas para essa população e para catadores de materiais recicláveis, reconheceu que sua pasta não conta com recursos suficientes para fazer frente as necessidades. “Mas sempre que chegam emendas parlamentares, tentamos usar da melhor forma. Mesmo ‘sem grana’, atuamos de forma protetiva e na busca da garantia de direitos”, contrapôs. 

Sobre a ausência do comitê intersetorial, a gestora disse que, em seu lugar, atua um grupo de trabalho, que é sempre convocado quando são definidas ações para esse público. “Estamos agora com um trabalho com os centros pop do Estado, sensibilizando-os para uma atuação como articuladores da política de assistência para a pessoa em situação de rua.

Daniela Tiffany, secretária de desenvolvimento social de Contagem, também afirmou ser um desafio representar uma prefeitura na audiência e ter que reconhecer que não há recursos suficientes para atuar na causa. “Precisamos de políticas de moradia e de assistência social”, reivindicou. E acrescentou ser necessário discutir com outros municípios da Região Metropolitana soluções para a questão, já que o problema se concentra em 12 cidades mineiras. 

Acesso a justiça

O juiz diretor do Foro da Capital, Sérgio Fernandes, lembrou que, entre os direitos dessa população não respeitados, estão o direito à jurisdição, que auxiliaria a garantia do acesso à justiça. “Temos ainda grande dificuldade quanto ao direito ao acesso aos prédios da justiça, a documentos e ao próprio registro civil”, constatou.

A defensora pública Júnia Carvalho, da Defensoria especializada em Direitos Humanos, defendeu revigorar o Comitê Intersetorial de Acompanhamento da Política Nacional para essa população (Ciamp Rua), bem como do seu congênere estadual. Ela considerou “histórica’ a decisão do Supremo Tribunal Federal sobre pessoas em população de rua, garantindo-lhes direitos. 

Catadora quer dignidade para esses trabalhadores

Vilma Esteves, do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis, denunciou o preço aviltante desses materiais, que não permitem uma vida digna à categoria. De acordo com ela, paga-se o valor de apenas R$ 0,10 pelo quilo do papelão. “Queremos condições dignas de trabalho, e com esse preço de material não em condições e muitos não estão vendendo mais”, registrou. 

Ela informou que cerca de 300 catadores atuam na Capital, de forma organizada, prestando um serviço importante para a cidade. Ainda assim, a Prefeitura ameaça alguns deles, apreendendo material e cobrando multas. Completou que muitos enfrentam problemas de saúde, após empurrarem por anos carrinhos com mais de 300 kg, e reivindicou previdência social para a categoria.

Racismo estrutural

Os outros parlamentares presentes, todos do PT, Andreia de Jesus, Leninha, Leleco Pimentel e Macaé Evaristo, parabenizaram Bella Gonçalves pela iniciativa de criação da frente parlamentar. Andreia de Jesus enfatizou que a população em situação de rua tem cor: “Falamos de pessoas que foram sequestradas na África e trazida para cá”. Ela informou que 47% desse público é de negros e que Minas Gerais é o terceiro estado com maior índice de violência contra ele.

A 1º vice-presidenta da ALMG, deputada Leninha, analisou que a discussão sobre a população de rua é um tema que tira todos de uma posição confortável, que passam a encarar o problema com maior seriedade. Ela opina que a frente poderá também ser um instrumento para reduzir a burocracia estatal, que dificulta a liberação de recursos para essa área.

Já a deputada Macaé Evaristo citou fala do cantor baiano Lazo Matumbi sobre o 14 de maio de 1888, dia posterior à abolição da escravatura: “Saí por aí, não tinha casa, trabalho ou escola; neste dia, subi pra favela esperando descer, mas nunca desci”. Com isso, ela buscou mostrar que o Brasil não conseguiu reduzir significativamente a desigualdade. 

Por fim, Leleco Pimentel lembrou a morte de Saulo Manuel, militante histórico da causa da população em situação de rua. E defendeu que “não dá pra construir dignidade no céu; é preciso construí-la aqui e agora, pois ‘a fé sem obras é morta’”.

Fonte: ALMG


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