04/04/2016 às 09h28min - Atualizada em 04/04/2016 às 09h28min

Jornal de Juiz de Fora destaca pioneirismo de leopoldinense em transmissão televisiva

Um texto assinado pelo jornalista Júlio Black, publicado na Tribuna de Minas, de Juiz de Fora, destaca o leopoldinense Olavo Bastos Freire como  pioneiro na transmissão televisiva no Brasil, com parte do seu acervo guardado pela Funalfa, que planeja voltar a expor o material. O texto revela ainda que o centenário de nascimento de Olavo, em 2015, passou em branco.


Nilo mostra filme em que Carriço registrou imagens de uma das transmissões de Olavo Bastos Freire (Foto: Fernando Priamo)

Nascido em Leopoldina no dia 29 de dezembro de 1915, Olavo Bastos Freire tinha noção da sua importância para a história da TV no Brasil, mas nunca fez questão de exigir pompa e circunstância para o seu feito. O que ele mais queria, afinal, era poder manter para a posteridade todo o material que acumulou em quase 90 anos de vida, que inclui câmera, antena e receptor da primeira transmissão oficial em sinal aberto do Brasil, realizada em 28 de setembro de 1948, em Juiz de Fora, praticamente dois anos daquela executada pela primeira emissora brasileira, a TV Tupi de São Paulo, propriedade de Assis Chateaubriand – realizada em 18 de setembro de 1950.


Com apenas três polegadas, monitor recebeu na Casa do Rádio as transmissões feitas no Clube Juiz de Fora, em 28 de setembro de 1948 (Foto: Fernando Priamo)
 
A realidade, mais de dez anos após sua morte (abril de 2005), é bem diferente. Os equipamentos da transmissão pioneira, em posse da Funalfa, estão há alguns anos fora de exposição; todo o seu acervo (revistas, livros, jornais, outras invenções), que ficava em sua casa na Rua Santo Antônio, tem paradeiro desconhecido; e até mesmo o seu centenário passou em branco, sem qualquer tipo de celebração. Para conhecer um pouco mais da história de Olavo, a opção mais viável atualmente é o depoimento que o curioso e genial técnico em eletrônica e inventor gravou para a Funalfa em 2001, em que conta sua trajetória.

► Antena é outro equipamento da transmissão pioneira guardado no acervo da Funalfa

O chefe de Divisão da Memória da Funalfa, Nilo de Araújo Campos, faz as vezes de “guardião” do acervo conhecido de Olavo Bastos Freire, armazenado na reserva técnica da instituição junto a fitas VHS, rolos de filme, livros, antigos computadores e outros itens da memória da cidade. Foi ele, também, que participou da gravação do depoimento de Olavo e faz o que pode para manter viva a memória de uma das figuras mais importantes da história da cidade e da televisão no Brasil. “O monitor de três polegadas utilizado na primeira transmissão ainda funciona, mas a antena e a câmera, não. Ela (a câmera) não capta mais a imagem, seria preciso trocar o osciloscópio (o ‘olho’ da televisão), mas não encontramos mais a peça”, lamenta Nilo, que levou a reportagem da Tribuna até a reserva técnica para mostrar os equipamentos da transmissão.

Impressiona o aspecto quase artesanal tanto da câmera quanto do receptor, objetos de peso considerável construídos a partir de componentes importados dos Estados Unidos e que foram doados por Olavo em 2001. “Ele tentou doar o material da sua oficina para várias instituições, mas não conseguiu”, lamenta Nilo, ressaltando desconhecer que destino o material teve após a morte de Olavo, em 2005, por não ter contato com os familiares do inventor – que não teve filhos. Nilo ainda lembra o desaparecimento de outro acervo de importância histórica para Juiz de Fora. “Não se sabe o que foi feito do acervo da antiga TV Industrial, se ele ainda existe e com quem está.”
 
Longe dos olhos


O equipamento da transmissão de 1948 costumava ficar exposto no antigo prédio da prefeitura, no saguão onde fica o JF Informação, no mês de setembro, mas há alguns anos isso não vem acontecendo. Segundo Nilo, o desejo é que a exposição comemorativa volte a ser realizada ainda este ano. “Sempre tivemos a ideia de ter um espaço permanente de exposição. Poderíamos até criar algo como um Museu da História do Rádio e Televisão, ou ver a questão do Museu da Cidade. No Arquivo da Prefeitura, há publicações do ‘Diário Mercantil’ sobre as transmissões.”
Durante a entrevista para a Tribuna, Nilo de Araújo Campos relembrou as inúmeras vezes em que teve a oportunidade de conversar com Olavo, que contava histórias do passado e demonstrava interesse em que alguém pudesse seguir seus passos – e também preservar tudo o que criou e acumulou durante a vida.

Da curiosidade à vocação

Olavo Bastos Freire era um de nove filhos. Em seu depoimento à Funalfa, em 2001, ele contou sua trajetória, que resultou na criação do sistema de transmissão de TV e de outras invenções que podem ser consideradas à frente de seu tempo, como o sistema de escrita com uma caneta elétrica que era repassada para um monitor de TV e um controle remoto com memória.

Foi por causa do pai – um faz-tudo que trabalhava como pedreiro, carpinteiro, pintor, bombeiro – que descobriu ter interesse pela mecânica de automóveis, profissão que não seguiu pela recusa de um conhecido em dar a ele um emprego em sua oficina devido à falta de experiência.

Mesmo com pouco estudo – chegou a completar apenas o primeiro ano do antigo ginasial -, foi para Juiz de Fora em 1935, a fim de trabalhar com o tio Pedro. O primeiro emprego, de engarrafador de bebidas, não o satisfez; por isso, seu tio, que trabalhava na Prefeitura, conseguiu para Olavo uma vaga de auxiliar técnico de turma de campo, na equipe do engenheiro Deusdedit Salgado, em 1937. A função, porém, ainda não era do agrado do jovem, que já havia iniciado seus estúdios de rádio. No ano seguinte, então, foi convidado para trabalhar como técnico de rádio na empresa que viraria, anos depois, a Casa do Rádio. “Quem me convidou foi o doutor Ademar Resende. Ele soube que eu estava me dedicando ao estúdio do rádio. Comprava material eletrônico dele, peças, para poder fazer minhas experiências em casa”, relembra Olavo. Esses estudos eram feitos a partir de livros técnicos e revistas que ele importava dos Estados Unidos, mesmo sem saber inglês. Olavo traduzia palavra por palavra e dali tirava seus conhecimentos sobre eletrônica.

O princípio da futura TV ‘artesanal’

Já em 1938, graças a essas publicações, Olavo começou a aprender os princípios teóricos da televisão, e poucos anos depois construiu o primeiro osciloscópio com tubo de raios catódicos para ser empregado com monitor de TV em circuito fechado. Nesta época, já era proprietário de sua oficina na Rua Fernando Lobo. “A única maneira que encontrei de progredir foi construir alguma coisa. Eu comecei a construir o osciloscópio, que é o tubo de raios catódicos”, conta o inventor em seu depoimento. O início da construção dos equipamentos da primeira transmissão se deu em 1946, quando comprou seu primeiro iconoscópio, modelo RCA 1847. A importação era feita por meio do amigo Eduardo Ferreira da Rocha, que construiu equipamento parecido em 1941 e realizou transmissões experimentais na mesma época que Olavo. “Eu dei um salto maior porque, além de construir o mesmo equipamento, comecei a evoluir, melhorando o meu. De junho a dezembro de 1946, construí a câmera; de janeiro a junho de 1947, montei o receptor de televisão de três polegadas, e de julho a dezembro, o transmissor.”

A experiências começaram logo depois, com uma transmissão em circuito aberto na Rua Marechal Deodoro de sua oficina para a casa de um vizinho, Ademar Fernando Ribeiro, localizada a poucos metros. A câmera na janela da sua oficina mostrava o movimento na rua e enviava o sinal – ainda sem som – para o receptor no quintal da residência de Ademar.

Diversas transmissões experimentais, já com som, foram feitas em 1948, até a realização da primeira transmissão oficial, em 28 de setembro, a partir do Clube Juiz de Fora para a Casa do Rádio, na Avenida Getúlio Vargas. O evento teve a presença do então prefeito Dilermando Cruz e do general Demerval Peixoto, entre outras autoridades. Outros dois momentos de destaque do pioneirismo de Olavo aconteceram em 1950. Em 21 de maio, por ocasião da celebração do centenário da cidade, Bastos Freire fez a primeira transmissão de uma partida de futebol no Brasil, entre o Tupi e o Bangu, que pôde ser acompanhada pelo público no Centro da cidade. Em 31 de maio, ele realizou a primeira transmissão de um programa “de TV” da história do Brasil, nos estúdios da Rádio Industrial, no Edifício Baependi, com o receptor localizado na Rua Halfeld, em frente à antiga Casas Pernambucanas. Foi, inclusive, o primeiro programa a ter publicidade, com o patrocínio da Carlos Pereira Indústrias Químicas S/A. Nessas transmissões, o receptor já tinha uma tela de sete polegadas.

No ano seguinte, Olavo Bastos Freire foi trabalhar no Rio de Janeiro, como técnico de conserto de televisores e recebeu convite para trabalhar na TV Tupi – que teve de recusar por já ter aceitado um emprego na então capital federal. Olavo ainda foi convidado para trabalhar nos Estados Unidos, mas recusou por não ser fluente em inglês. Ajudou na instalação da primeira emissora de TV de Curitiba, onde morou por alguns anos antes de se mudar para São Paulo, cidade em que trabalhou na primeira fábrica de televisores do país.

Com fome de invenção

O pioneirismo com a televisão não arrefeceu a disposição de Olavo para inventar novos aparelhos. Em 1953, durante a Primeira Exposição Brasileira de Rádio, Televisão, Eletrônica e Telecomunicações, no Rio de Janeiro, apresentou o controle remoto por meio de rádio, que desenvolveu a partir da leitura de revistas estrangeiras especializadas. Era um aparelho que acendia cinco lâmpadas de cores diferentes a partir de números entre zero e nove, que ainda tinha uma memória para receber a informação de qual lâmpada havia sido acesa. No ano seguinte, construiu um gerador de pulso de sincronismo para estação de TV, e também em 1954 criou o primeiro conversor de frequência, de 50 hertz para 60 hertz. “A TV começou nos Estados Unidos com o padrão baseado na rede elétrica, que era de 60 hertz. No Brasil se trabalhava com dois padrões diferentes no Rio e São Paulo, então fiz um gerador para converter um no outro e usava o equipamento para consertar os aparelhos de cada padrão. Depois o governo padronizou tudo”, disse Olavo na ocasião da entrevista.

Desenho digital

De todas as suas invenções, talvez a mais interessante seja a que ele chamava de escriptoscópio, como ele mesmo descreveu no depoimento para a Funalfa. “Já estava lendo sobre a TV digital, então pensei se poderia criar um aparelho para fazer desenhos digitais na tela. Aí montei o tal escriptoscópio, criado para fazer pontinhos luminosos na tela da televisão. Desenhava na tela da máquina com um lápis elétrico e aparecia na tela da TV, tudo sincronizado. O problema era aumentar a capacidade, porque com 238 pontos não dava para fazer uma definição detalhada de um automóvel, uma pessoa, por exemplo. Queria aumentar umas dez, 20 vezes, mas ia gastar um dinheiro danado, e era valvulado, já pensou que trambolho que iria dar? Mas aí estavam aparecendo os transistores, olha o caminho aberto para minha máquina; permitiria fazer uma compacta, num espaço pequeno, e hoje (2001) já fazem. Já tinha previsto isso em 1960, até tinha uma patente dele. Falei com umas pessoas, mas eles falaram que as indústrias brasileiras em geral estão interessadas em fazer apenas o que já existe, preferem copiar a tecnologia estrangeira, ninguém vai empatar dinheiro numa experiência nova sem saber se vai ter aceitação comercial.”

Ao final de seu depoimento, Olavo destacou algo que para ele era fundamental: que a pessoa estudasse para aquilo que tivesse vocação. “Se tem vocação para estudar medicina não vai estudar engenharia, ou vice-versa. Às vezes você descobre isso mais tarde, eu só descobri minha vocação quando mudei para Juiz de Fora. Seguir vocação errada só porque dá mais dinheiro é perda de tempo.”
 



 

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