05/12/2022 às 08h59min - Atualizada em 05/12/2022 às 08h59min

Os falsos símbolos do progresso

Eduardo Fajardo Soares (*)
O arquiteto urbanista leopoldinense Eduardo Fajardo Soares mostra os motivos pelos quais é absurdo o asfaltamento da avenida Getúlio Vargas (Fotos: Luciano Baía Meneghite - 03/12/2022 /Eduardo Soares)
Particularmente como arquiteto e urbanista há 40 anos que me deu conhecimentos técnico e humano recebi estarrecido e apreensivo a notícia que o prefeito da cidade pretende asfaltar toda Avenida Getúlio Vargas.
 
Em vez da prefeitura providenciar a já atrasada em mais de seis anos sob o beneplácito do MP e oposição locais, principalmente do PT, revisão obrigatória  do Plano Diretor Participativo, o fica se resumindo a medidas pontuais, elementares como melhoramentos inerentes nos espaços públicos urbanos ou estradas vicinais ou, com grande estardalhaço ,inaugurando e auto promoção estátua da princesa que deu nome à cidade ( a do grande mestre popular, Vitalino, que dá nome  a lei cultural municipal ,foi mais discreta e após reclamações).
 
Isso é obrigação mínima não cumprida por desastrosas gestões anteriores que sequer isso providenciavam satisfatoriamente. Enquanto isso qual o projeto de saneamento básico da prefeitura? Qual a política e projeto efetivo cultural? (Leopoldina está estagnada, pelo menos até pouco tempo atrás, com todos seus poucos projetos de tombamentos no ICMS cultural  e rara ou nenhuma participação nos eventos do patrimônio cultural promovidos pelo Estado, como, salvo algum engano, as 4a, 5a,6a e7a Rodada do Patrimônio Cultural, ocorridas entre outubro ,novembro, online  e agora presencial, no início de dezembro, em São.João del Rei, entre vários  outros).
 
Qual a política de empregos? O milagre da recuperação noticiada na imprensa do símbolo da cidade dilapidada e falida  que foi a centenária cooperativa de leite se efetivou? Caminhou? Todas essas respostas, diagnósticos, prognósticos seriam objeto da revisão do Plano Diretor Participativo -PDP realizado pela UFMG e aprovado por unanimidade em 2006 pela Câmara de Vereadores, após inúmeros e amplos debates com a população   mas desconsiderado por todas administrações municipais, inclusive a atual.   
 
Para ser justo, antes das eleições municipais e por isso interrompido  fui informalmente convidado por "whatsapp" para a primeira e única audiência pública virtual da referida revisão do PDP promovida, creio, pelo MP local. Certamente nesta revisão seria vetada este absurdo do asfaltamento pelos motivos que abaixo elenco:
  1. Para quem não sabe ou tem no máximo 50 anos, até meados este trecho, considerado Rio -Bahia até antes do anel rodoviário que circunda a cidade, era asfaltado. Após construído o anel, optou-se por retirar o asfalto e devolver o eficiente e impecável piso de paralelepípedo antes de mais nada, pelo que foi informado na época e que, infelizmente, pelo nosso péssimo apreço pelos documentos históricos não deve ter mais registros, foi o fator de segurança dos pedestres em riscos pela rapidez dos veículos favorecido pelo piso asfaltado;
  2. Além da velocidade de veículos o asfalto provoca maior velocidade das águas pluviais e sua impermeabilidade seu maior acúmulo;
  3. Se inicialmente o asfalto é mais barato, o custo final com o tempo é mais caro pois exige com muito mais frequência manutenção principalmente num clima quente como o nosso que resseca-o e , pior, produzindo uma constante poeira de fuligem em suspensão;
  4. Ao contrário de tudo isso o tradicional e centenário calçamento de paralelepípedo é eficiente, fácil manutenção como pista de suave rolamento de veículos, é permeável e naturalmente exerce um controle na velocidade  destes e das águas além de não produzir poeira,  portanto, com maior economia final. Informo (ou lembro) que todo trecho da velha estrada da serra de Petrópolis construída nos anos 1940 foi toda de concreto que pela pouca manutenção há tempos já compensou;
  5. A cidade já cometeu um grande erro em substituir o histórico calçamento em pé de moleque construído provavelmente em final do sec XIX na rua Plóbio Cortes de Paula, que fica na confluência da Praça General Osório com rua Cotegipe destruindo um centenário e histórico piso;
  6. Não custa lembrar que recentemente faleceu um verdadeiro mestre calceteiro da cidade, sr. Geraldo Malaquias, que, aliás, poderia ter treinado, capacitado calceteiros para recuperar a histórica "rua das pedras" em Piacatuba que  há muitíssimo tempo carece de manutenção;
  7. Evidentemente o calçamento de asfalto é indicado em larga escala nas metrópoles, nas grandes cidades pela obvia economia no fator de custos x benefício, mas na Europa nos centros históricos mesmo das grandes cidades são preservados e mesmo recuperados o piso de paralelepípedo.
  8. Mas, assim como no fetiche e na especulação imobiliária dos arranhas céus dos EUA, também preferimos culturalmente e economicamente segui-los no asfaltamento das ruas, até de pequenas cidades, nos esquecendo que eles desde séc. XIX são produtores de petróleo e não tinham, por incrível que pareça, não tinham a mesma tradição de calçamento em pedras dos países latinos americanos;
  9. Esteticamente e simbolicamente é uma grande perda. O asfalto muda todo caráter do entorno, do urbano alterando sua histórica estética (imagine, por exemplo a Tiradentes asfaltada.) e, simbolizando que a prioridade são os veículos e não os pedestres. (Bom Despacho, cidade do porte e tempo histórico de Leopoldina é um dos exemplos clássico desta infeliz escolha.
  10. Finalmente, é um grande erro técnico asfalto sobre paralelepípedo tanto para nivelamento, aderência e manutenção.
Portanto essa medida além de um anacronismo, até mesmo jeca, como símbolo de progresso, devia ter sido mais discutido com a população e com seu Conselho do Patrimônio, que parece não existir de fato. Essa urgência, cria conjecturas por ter sido decidida no contexto das eleições presidenciais com o prefeito sendo pública e notoriamente apoiador da candidatura do atual presidente, volumosamente acusado de irrigar prefeituras aliadas com o orçamento secreto.
 
(*) Arquiteto e urbanista leopoldinense Eduardo Fajardo Soares, mestre em patrimônio pela UFMG.


 
Além da velocidade de veículos o asfalto provoca maior velocidade das águas pluviais e sua impermeabilidade, seu maior acúmulo (Foto: Luciano Baía Meneghite - 03/12/2022)


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