27/04/2023 às 07h48min - Atualizada em 27/04/2023 às 07h48min

A criação do Pouso do Feijão Cru

Como surgiu a cidade de Leopoldina

Plínio Fajardo Alvim (*)
Hoje, 27 de abril de 2023, a mineira Leopoldina está completando 169 anos, desde que ocorreu a sua emancipação político-administrativa. Em sua homenagem, faço, a seguir, um breve esboço de algumas ocorrências que contribuíram para enriquecer a sua bela história.

● As tropas e os tropeiros - Houve um tempo - na época do histórico Ciclo do Ouro - em que as regiões onde havia a exploração aurífera pouco, ou quase nada, produziam para o consumo de seus habitantes, além do precioso metal. Era aquela a época do "Quinto" - o imposto cobrado pela Corte Portuguesa sobre o ouro produzido. Foi nessa ocasião que mais se difundiu o uso das tropas no transporte de víveres e mercadorias diversas para as referidas regiões produtoras e também para outras regiões mais centrais do país - principalmente Goiás e Mato Grosso - que, embora em menor escala, também atraíam grandes contingentes de aventureiros à cata de pedras e metais preciosos.

Como não havia estradas, o transporte era feito no lombo de incontáveis lotes de mulas e burros, as tropas - o mais eficiente meio empregado na transposição dos acentuados aclives e declives das montanhas mineiras. Com o passar do tempo e com o declínio da produção do ouro, em fins do século XVIII, outras regiões da província começaram a ser penetradas. Até então, a Corte Portuguesa proibia o surgimento de outras vias de circulação no interior de Minas Gerais, além das estradas já existentes, com o intuito de coibir - na medida do possível - o contrabando do ouro. Importante notar que, com o fim do ouro, a ocupação do restante do território mineiro se deu de maneira centrífuga, qual seja, da região central para as extremidades da capitania.

Entre as novas regiões que começavam a ser exploradas encontrava-se a que corresponde à atual Zona da Mata, onde, nas primeiras décadas do século XIX, foram distribuídas inúmeras sesmarias, em cujas extensões surgiram fazendas e povoações, o que ocasionou o aumento do movimento das tropas; intensificando-se, assim, o intercâmbio de produtos de natureza diversificada.

Os integrantes das tropas eram: o tropeiro, que era o patrão - homem de absoluta confiança que gozava de grande prestígio junto às comunidades a que servia; os camaradas - empregados que cuidavam da carga e dos animais; e, o cozinheiro – que, além de preparar a comida, vez por outra também ajudava em outros serviços.

Tão longas e tão lentas eram as jornadas das tropas que os tropeiros paravam, de trechos em trechos, para descansar. Nessas paradas, quando mais demoradas, eles erguiam um rancho para o pernoite e para protegerem-se das intempéries. Em seguida, livravam as mulas de suas cargas e as soltavam, para que elas se fartassem com o capim da região ou as alimentavam com o milho que, para este fim, muitas das vezes traziam em sua bagagem.
Depois de preparadas as suas acomodações, faziam a refeição, em geral composta de carne-seca ou charque, toucinho, feijão cozido, angu, farinha de milho ou de mandioca, rapadura, como sobremesa, e café. Às vezes, arroz e cachaça. O feijão, cozido com sal, era misturado à gordura do toucinho e à farinha de mandioca, transformando-se, então, no conhecido e apreciado ‘feijão-tropeiro’. Normalmente, o feijão era cozido durante a noite, o que obrigava ao cozinheiro passá-la acordado, para não deixá-lo queimar. Antes e depois das refeições conversavam sobre suas andanças e aventuras, enquanto alguns cantavam toadas e tocavam a viola sertaneja, numa tentativa de espantar o tédio de suas cansativas excursões. Tempos depois, essas violas seriam chamadas ‘Violas de Queluz’, por serem fabricadas em Queluz de Minas – que, antes, já fora Arraial dos Carijós e viria a ser, hoje, Conselheiro Lafaiete-MG.

Se gostavam do local onde havia sido erguido o rancho, este pouso logo se tornava ponto de futura parada, obrigatória, para a mesma ou para outras tropas que por ali viessem a passar. Com o correr dos anos surgiam vendas, ao lado dos ranchos, onde alguns comerciantes se estabeleciam para suprir as tropas com mercadorias - em particular, alimentos - que por elas não fossem transportados. Inúmeras povoações também surgiram - e cresceram - nas imediações de primitivos ranchos de tropeiros, ao longo dos caminhos.

Leopoldina é um exemplo, nascida que foi do "Pouso do Feijão Cru", cuja história narraremos, resumidamente, mais adiante. O eixo principal da ocupação urbana de Leopoldina surgiu de um chamado “strassendorf” (agrupamento de construções ao longo de uma rua ou estrada), no sentido noroeste-leste, partindo, possivelmente, das proximidades do início da ladeira do cemitério (onde teria existido um “Rancho de Tropas” – talvez, o próprio “Pouso do Feijão Cru”), passando pelas atuais Praça do Rosário e Praça Prof. Botelho Reis, até o entroncamento das atuais Rua Cotegipe e Rua Lucas Augusto – à altura do atual prédio da Prefeitura.

● As Áreas Proibidas e Os Sertões de Leste – Até fins do século XVIII esta região, localizada na fronteira da antiga Província de Minas Gerais com a então Província do Rio de Janeiro, entre os Rios Pomba e Paraíba do Sul - era conhecida como “Sertões de Leste das Áreas Proibidas”. Os seus primitivos, únicos e absolutos senhores eram os indígenas puris, cropós (ou coropós) e os coroados (croatos ou croatás), que aqui se fixaram havia já cem anos, aproximadamente. Segundo o laureado historiador Oiliam José, estes indígenas originavam-se da orla marítima fluminense, on¬de foram vítimas da perseguição dos tamoios. Foi o temor aos terríveis ataques daqueles guerreiros que os fez subirem as correntezas do rio Paraíba do Sul e de seus afluentes e sub-afluentes, até chegarem neste território, então rico em animais e frutas silvestres.

Durante o Ciclo do Ouro, a Coroa Portuguesa desautorizava a abertura de novas estradas nesta e em outras áreas mineiras – como determinava o Alvará Real datado de 27 de outubro de 1733. O nome “Áreas Proibidas” se deve a esta restrição e à imensa floresta – que formava uma barreira natural, contribuindo para dificultar o extravio do ouro. Apesar da medida, pretensamente preventiva, adotada pela Coroa, a região já abrigava inúmeros moradores e era cortada por incontáveis caminhos clandestinos. Estas rotas eram usadas por tropeiros e por contrabandistas para desviarem da fiscalização dos “Registros” – Postos de Arrecadação – existentes na via oficial, o “Caminho Novo”, que passava a poucas léguas daqui. Algumas trilhas cruzavam os territórios atualmente ocupados, entre outros, pelos municípios de Rio Pomba, São João Nepomuceno, Mar de Espanha, Leopoldina, Argirita, Santo Antonio do Aventureiro, Volta Grande, Estrela Dalva, Pirapetinga e Além Paraíba, e pelo distrito de Angustura, pertencente a este último.

● O polêmico “Mão de Luva”, nobre ou contrabandista? - Entre os usuários destas variantes ilegais merece destaque Manoel Henriques – cognominado “o Mão de Luva” – chefe de um grupo que garimpava ouro, sem a permissão da Coroa, nos vizinhos “Sertões de Macacu das Áreas Proibidas”, localizados na Serra Fluminense, à qual tinham acesso atravessando o então caudaloso Rio Paraíba do Sul – em fins da década de 1930, boa parte de suas águas foi desviada para a bacia do Rio Guandu, para abastecimento da cidade do Rio de Janeiro. Segundo a tradição oral popular, “Mão de Luva” teria sido um nobre português, Marquês ou Duque de Santo Tirso, que, enamorando-se da Princesa Maria – então futura “D. Maria I, a Louca” – acabou envolvido em um atentado contra o Rei de Portugal, Dom José I, pai de Maria. O Rei, que se fazia acompanhar do poderoso Ministro Marquês de Pombal, saiu ferido deste episódio. Santo Tirso teria sido extraditado para o Brasil, livrando-se da morte por conta de seu romance com a princesa. Esta lenda, contudo, não encontra respaldo em provas documentais históricas. Historiadores afirmam que seu verdadeiro nome seria Manoel Henriques da Silva, também conhecido como “Manoel Henriques do Xopotó”, por ter residido na região daquele rio mineiro.

Interessante notar que este contrabandista penetrara aqueles sertões fluminenses desde meados da década de 1760, trilhando os caminhos existentes no lado mineiro, em razão da interdição dos acessos pelo litoral (de Cabo Frio a Campos dos Goytacazes), determinada pelo Vice-rei de Portugal no Brasil, o Conde da Cunha. Uma das vertentes deste chamado “Caminho do Mão-de-luva” passava por São Manoel (atual Rio Pomba-MG) e cruzava nossa região para, depois de ladear os Rios Angu e Aventureiro, atravessar o Rio Paraíba do Sul nas proximidades da Ilha dos Pombos (atual hidrelétrica da Light) e do Distrito de Porto Velho, localizados no atual município de Carmo-RJ.

São Manoel do Pomba (Rio Pomba-MG) foi fundada em 25 de dezembro de 1767, pelo Padre Manoel de Jesus Maria. Convém salientar que, tempos depois, o Pe. Manoel J. Maria viria a ter como coadjutor o Padre Jacó Henriques - instituidor do Patrimônio da Matriz de N. Sra. das Mercês, em 1790, na atual cidade de Mercês-MG, vizinha à Rio Pomba. Padre Jacó era, também, tio de Domingos Henriques de Gusmão – pentavô deste pesquisador e um dos fundadores de São João Nepomuceno-MG, em 1811, além de principal benfeitor da construção da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, no atual Distrito de Piacatuba, em Leopoldina.

● O Devassamento das Áreas Proibidas - Em 1784, face à decadência do ouro na zona central mineira e sabedor da existência de garimpo ilegal e contrabando na fronteira entre as Capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro, o Governador de Minas, Dom Luis da Cunha Pacheco e Meneses, mandou um Regimento para fazer um minucioso levantamento geográfico, social e econômico da região, incluindo: averiguação das divisas, avaliação do potencial de produção de minerais preciosos; os rios, montanhas e caminhos existentes; o número de povoações e de habitantes – e quantos mais poderia acomodar; além de abrir novas estradas e criar novos “Registros, Rondas e Patrulhas”, etc. O comandante da missão era o Sargento-mor (equivalente a Major, hoje) Pedro Afonso Galvão de São Martinho.

Para cumprir a parte técnica da expedição o Governador designou, nominalmente, um perito, o Alferes Joaquim José da Silva Xavier – o Tiradentes. O Alferes Xavier era um profundo conhecedor da região (foi Tropeiro, Chefe da “Ronda do Mato”, na Mantiqueira, e construiu um atalho no Caminho Novo); além de militar de absoluta confiança, de reconhecida competência e dotado de formação bastante eclética (além de dentista prático, conhecia sobre botânica, medicina, engenharia e mineração).

Tiradentes foi o responsável não só pela escolha da localização bem como, também, pela construção do “Registro ou Porto do Cunha”. Logo em seguida, além deste “Porto do Cunha”, Xavier e São Martinho também criaram os Registros de “Louriçal” (perto da atual Chiador-MG) e de “Ericeira” (próximo à atual Santana do Deserto-MG), ao longo da estrada que construíram (parte da qual margeia o Rio Paraíba) em direção ao “Registro do Paraibuna” e ao “Porto do Menezes” - nas proximidades das atuais cidades de Juiz de Fora, Simão Pereira e Matias Barbosa, em Minas Gerais. O nome “Porto do Cunha” foi uma homenagem do Sargento-mor ao Governador mineiro – Cunha Menezes. Este “Porto do Cunha” deu origem a um dos núcleos que formariam a cidade de Além Paraiba, cujo principal bairro comercial é, hoje, denominado Porto Novo do Cunha.

Em 1786, baseando-se nas informações levantadas dois anos antes, incluindo as prestadas pelo Pe. Manoel de Jesus Maria, o Governador Cunha Menezes manda o Sgtº. Mor São Martinho voltar à região - agora, sem a presença de Xavier. São Martinho e seu Regimento usaram o Porto do Cunha como base para a operação que tinha o objetivo de combater e tomar o aludido garimpo clandestino, comandado por “Mão de Luva”, no local conhecido como “Descoberto do Macuco”, onde, hoje, existe o município de Cantagalo-RJ.

A propósito, é razoável inferir que muitos destes homens aqui mencionados também possam ter transitado pelo então nascente “Pouso do Feijão Cru” - que deu origem à cidade de Leopoldina. Alguns deles, inclusive, poderiam, até mesmo, ter protagonizado os acontecimentos que geraram a “Lenda do Feijão Cru”.

● A Lenda do Feijão Cru – Certa ocasião, em fins do século XVIII, estavam os tropeiros – ou os contrabandistas, ou, ainda, os soldados de São Martinho - trafegando pela bacia do “Rio da Pomba e Peixe” - assim chamado pela grande quantidade de juritis que habitavam as suas margens e pela abundância de pescado em suas águas - quando resolveram acampar em uma clareira situada nas proximidades de um córrego que, até então, não tinha nome. Esta deveria ser a última parada, antes de chegarem ao rio Paraíba do Sul, divisa natural das Capitanias de Minas Gerais e Rio de Janeiro que, provavelmente, demandavam. A região, como sabido, era ocupada por densa floresta; portanto, a clareira e o riacho faziam com que aquele local fosse considerado o ideal para acamparem, pois havia espaço, pastagem e água limpa, à vontade.

O rancho foi construído, os animais foram descarregados e os tropeiros, à beira da fogueira, fizeram a sua refeição - carne-seca, angu, toucinho e feijão que, como de costume, fora cozido na noite anterior. À tarde, depois que homens e animais estavam alimentados, limpos e descansados, começaram a ser traçados os planos para o restante da viagem. Decidiram aproveitar a parada para conhecer as redondezas do pouso e, para tal, destacaram alguns companheiros, que deveriam voltar ao acampamento no dia seguinte. Os homens partiram e, já ao entardecer, o cozinheiro reacendeu a fogueira e dirigiu-se ao córrego sem nome para encher de água uma panela, com a qual prepararia o feijão que ele e seus companheiros comeriam na manhã do dia seguinte.

O que aqueles homens pensavam acerca daquele local ninguém nos poderá dizer. Uns, talvez tivessem previsto a descoberta de ouro no riacho. Outros, talvez acreditassem que o pouso viesse a atrair outras tropas. Creio, contudo, que uma coisa, certamente, tenha chamado a atenção daqueles desbravadores: o imenso rochedo que despontava no horizonte - um marco natural para futuras jornadas.

Na manhã do outro dia, aqueles que haviam saído para explorar a vizinhança retornaram ao rancho, esfomeados, pensando no feijão que fora colocado no fogo, na véspera, e que, à essa altura, já deveria estar cozido. E, que surpresa! O cozinheiro não cumprira com sua obrigação. Cochilara ao lado da fogueira, que se apagara com a brisa da noite, deixando cru o feijão da panela. Aborrecidos com o acontecido, aguardaram o cozimento da leguminosa, o que os obrigou, depois de feita a refeição, a acelerar o andar das mulas, numa tentativa de repor o tempo perdido.

O incidente, todavia, serviu para batizar aquele riacho sem nome, transformando-o no "Ribeirão do Feijão Cru" e, por extensão, o local do acampamento ficou conhecido como "Pouso do Feijão Cru", assim chamado sempre que alguém quisesse se referir a estas paragens. O nome se apegou ao local de tal forma que, poucas décadas depois, já existia o distrito de São Sebastião do Feijão Cru, pertencente ao município da Vila de São Manoel do Rio da Pomba, atual cidade de Rio Pomba-MG.

Mais tarde, o distrito de São Sebastião do Feijão Cru foi transferido para o município de "Mar de Hespanha", do qual se emancipou em 27 de abril de 1854, pela Lei Provincial n.° 666, através da qual a sede municipal passou a chamar-se Vila da Leopoldina, em homenagem à Duquesa de Saxe - filha do Imperador D. Pedro II. No dia 16 de outubro de 1861. a Lei Provincial n.° 1.116 elevou a então vila à categoria de cidade, para orgulho e satisfação de seus habitantes.

● A Presença de Tiradentes no “Pouso do Feijão Cru” - As provas irrefutáveis da importância de Tiradentes para a história de Leopoldina, de Além Paraíba e da região encontram-se, principalmente, em dois interessantíssimos documentos. Na Portaria, datada de 16.04.1784, emitida pelo Governador Cunha Meneses, e na Carta, de 21.04.1784 (ironicamente, escrita exatos oito anos antes da execução de Tiradentes) que o mesmo Governador dirigiu ao Cel. de Auxiliares Manoel Rodrigues da Costa, fazendeiro morador na Mantiqueira. Através delas, Cunha Meneses - o “Fanfarrão Minésio” das “Cartas Chilenas”, de autoria do poeta inconfidente Thomaz Antonio Gonzaga - enfatiza a indicação do Alferes Joaquim José da Silva Xavier para executar os principais objetivos da missão. O que, segundo alguns autores, nos permitem deduzir que o Cel. de Auxiliares Manoel Rodrigues da Costa e o Sargento Mor São Martinho foram meros coadjuvantes e os grandes beneficiários da expertise de Tiradentes. Nestes documentos Cunha Meneses também revela sua preocupação com a ocupação clandestina das “Árias Prohibidas” e a necessidade de torná-las úteis aos “Reaes intereces”.

Durante essa diligência, iniciada em meados de maio de 1784, é muito provável que Tiradentes tenha passado pelo local onde teria existido o primitivo “Pouso do Feijão Cru” e por inúmeros outros locais de nossa vasta região, que hoje abrigam povoados, vilas e cidades. Como era parte de suas atribuições, entre outras, o levantamento detalhado de “estradas, ou caminhos” existentes nas Áreas Proibidas, é inaceitável que isto não tenha ocorrido, pois implicaria em desobediência às ordens recebidas, comprometendo os objetivos da missão e maculando os conceitos de que gozavam o Alferes Tiradentes e o Sargento-mor São Martinho junto a seus superiores. Inclusive, vale lembrar, para reforçar o raciocínio, que Tiradentes já exercera a atividade de tropeiro, atravessando os grotões mineiros; portanto, também é factível que já conhecesse os caminhos, as picadas e os “pousos e ranchos de tropas” existentes nesta região.

Depois de prender o minerador “Mão de Luva” e seus liderados, São Martinho retornou para a capital Vila Rica, onde, alguns anos mais tarde, comandaria a prisão de vários inconfidentes. São Martinho faleceu em 1815, com a patente de Brigadeiro. Com o povoamento da Zona da Mata, após a liberação das Áreas Proibidas, alguns de seus descendentes radicaram-se em Leopoldina e localidades circunvizinhas.

Tiradentes, depois de sua passagem por nossa região, viria a possuir terras nas proximidades do “Porto do Menezes”, no lugar denominado “Rocinha da Negra”. E ficaria transitando entre o Rio de Janeiro e Vila Rica, elaborando projetos e conspirando contra Portugal; até ser preso, em 1789, para, finalmente, ser condenado, enforcado e “morrer morte natural para sempre”, segundo a sentença que selou o seu destino, em 21.04.1792.

● Tiradentes foi um líder visionário e eclético - Tiradentes era dotado de uma inteligência invulgar, além de possuir uma formação prática multidisciplinar, um espírito pragmático e um nível cultural que o destacavam da média de seus coetâneos. Contrariando seus detratores, Tiradentes não era um imbecilóide utópico; menos ainda um mero “inocente útil” ou um “bode expiatório”, entre os conjurados mineiros.

Tiradentes era um líder nato, defensor convicto e disseminador inflamado de seus ideais; um homem que inspirava confiança a seus pares, fossem civis ou militares de quaisquer patentes. De reconhecida competência, que lhe permitia desincumbir-se eficientemente das atribuições que lhe eram confiadas. Um idealista, um visionário, ainda hoje pouco estudado pela história.

Órfão de mãe, aos nove anos, e de pai, aos onze, Joaquim José viveu em companhia de seu tio e padrinho, Sebastião Ferreira Leitão, cirurgião-dentista licenciado e também proprietário de uma lavra de mineração. Com ele Joaquim aprenderia o ofício de “tirar e colocar dentes” - que lhe daria o pseudônimo que entrou para história; além de conhecimentos sobre mineração e técnicas curativas que se somariam às que conheceria ao longo de suas andanças pelos sertões. Sua educação também teria sido influenciada por seus irmãos sacerdotes e por seus primos também religiosos - que, portanto, tiveram acesso a uma formação diferenciada para a época.

Ainda jovem Tiradentes teria aprendido o uso de plantas medicinais com o naturalista Frei Veloso, seu primo, que incursionou pelo Rio Paraíba do Sul, coletando e classificando 1639 espécies vegetais para produzir a sua “Florae Fluminensis”, um dos maiores estudos botânicos já realizados no Brasil, concluída em 1790 e somente publicada em 1825, muitos anos após sua morte. Tropeiro durante muitos anos, Tiradentes conhecia, como poucos, os mais profundos e distantes rincões mineiros, trilhando ou abrindo os caminhos que ligavam “as Minas” à Bahia e ao Rio de Janeiro. Seus conhecimentos sobre mineralogia e noções de engenharia também teriam sido aperfeiçoados nesse período.

Joaquim José ingressou na vida militar como “dragão” da Companhia de Dragões de Vila Rica, tempos depois fundida ao Regimento de Cavalaria Regular de Minas Gerais, onde serviu na 6ª Companhia, cujo Comandante era o Sargento-mor (hoje, correspondente a Major) Pedro Afonso Galvão de São Martinho. Neste Regimento, Tiradentes alcançou o posto de Alferes - equivalente a 2º Tenente, hoje - por ser oriundo da chamada “nobreza civil não titulada” e, também, devido a seu ofício de dentista prático. Como militar, o Alferes Xavier era comumente designado para missões de importância estratégica - até arriscadas - que requeriam as qualificações técnicas de que era dotado. Participou da comitiva que acompanhou o Governador Dom Rodrigo José de Menezes, em viagem pelo interior de Minas, para levantar as potencialidades e necessidades da terra mineira. Tiradentes atuou, em 1780, como Comandante do Quartel do "Registro" de Sete Lagoas.

Durante cerca de cinco anos Tiradentes viveu e transitou em nossa região. Em 1781 Tiradentes respondeu pela construção de uma variante do Caminho Novo, desviando-o de São João D’el Rei e encurtando o seu percurso de Vila Rica – hoje, Ouro Preto - para o Rio de Janeiro. Esta nova estrada ficou conhecida como "Caminho do Menezes", onde Tiradentes construiu o denominado "Porto do Menezes", vizinho ao "Registro do Paraibuna", nas proximidades das atuais Simão Pereira, Matias Barbosa e Juiz de Fora. Pouco tempo depois, Tiradentes tornar-se-ia Comandante da "Patrulha – ou "Ronda" – do Mato", criada para combater os assaltantes que aterrorizavam o Caminho Novo, atacando viajantes e tropeiros, à altura da Serra da Mantiqueira. E vale enfatizar que, equivocadamente, o citado "Porto do Menezes" é, às vezes, confundido com o "Porto do Cunha", outra das obras de Tiradentes, edificado entre fins de maio e princípios de junho de 1784 - um dos primitivos núcleos que deram origem à atual cidade de Além Paraíba-MG.

Após a sua participação nas diligências de 1784, mencionadas acima, que permitiriam oficialmente o desbravamento das “Áreas Proibidas”, Tiradentes vai para o Rio de Janeiro. Na então Capital do Vice-reino, o Alferes propõe a captação e a distribuição das águas dos rios Catete (ou Laranjeiras) e Maracanã (ou Andaraí). Tiradentes também desenvolve um minucioso projeto de construção de moinhos públicos nesses rios, para uso gratuito da população. Além disso, o Alferes projeta a construção de um porto e de armazéns, às margens da Baía da Guanabara, para melhorar o fluxo e a guarda das mercadorias transportadas por via marítima. Também estudou a ligação do Rio a Niterói, por meio de barcas que aportariam no cais por ele projetado.

Portanto, diante do exposto, podemos concluir que, muito provavelmente, Tiradentes possa ter passado pelo “Pouso do Feijão Cru” - ou, até mesmo, ter sido um dos antigos viajantes que o criaram. E nós lepoldinenses temos toda esta grandiosa história para sentirmos ainda mais orgulho de nossas origens.

(*) Plínio Fajardo Alvim – Leopoldinense. Pesquisador diletante da História da Zona da Mata Mineira.

Informações extraídas de diversos textos deste autor, publicados ao longo de muitos anos, em várias plataformas impressas e digitais, de muitas localidades; e coligidas a partir de inúmeras obras da Historiografia Mineira, produzidas por eminentes pesquisadores, muitas das quais integrantes do acervo deste autor


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