20/04/2014 às 21h32min - Atualizada em 20/04/2014 às 21h32min

O Dia em que Leopoldina

Década de 60 do século XX

Luciano Baía Meneghite
Arquivo - Jornal Leopoldinense

Vira e mexe alguém em Leopoldina lembra essa estória. Na época não teve tanta repercussão e realmente não era motivo pra tanto. Com o passar do tempo e com a fama crescente do protagonista, que viria a se tornar o cantor de maior sucesso de todos os tempos no Brasil, várias versões passaram a ser divulgadas, cada qual com detalhes mais sensacionalistas, de modo que se criou uma verdadeira lenda a respeito do assunto. A mais conhecida é a de que o Cantor Roberto Carlos em início de carreira, ao se apresentar em Leopoldina, teria passado por um vexame; as cordas de sua guitarra arrebentaram, a modesta aparelhagem pifou, o que provocou uma sonora vaia da platéia que em seguida lançou ovos podres e tomates. Que o cantor teria saído às pressas e jurando jamais por os pés novamente em Leopoldina. Dizem ainda que seu carro deu defeito e que teria se apaixonado por uma moça da Praça da bandeira, que o esnobou deixando-o rondando a cidade a sua procura. Seria essa a história verdadeira? O que de fato aconteceu?Há entre os mais novos, quem duvide até da passagem do cantor pela cidade.

Tentamos através de pesquisas e relatos de várias pessoas reconstituir essa história. A falta de registros e o esquecimento natural imposto pelo tempo dificultaram muito. Até mesmo a data ninguém mais lembrava com exatidão, contribuindo, assim, naturalmente para a criação da lenda. A maioria cita o ano de 1964, embora tenhamos descoberto um autógrafo do cantor dado no verso de uma carteira de estudante do Ginásio de 1966, ano em que Roberto Carlos consolidou seu nome nacionalmente já como apresentador do programa Jovem Guarda da TV Record. A carteirinha pertence à Ângela Maria Valle Almeida que admitiu ter alterado a idade indicada para poder entrar no show, já que era menor de idade. Mas para quê alteraria o ano? Fica a dúvida. Ela lembra detalhes da roupa do cantor: “Blusa branca e uma calça preta Boca de sino com uns babados do lados que me chamaram a atenção”.

Roberto Carlos já admitiu em entrevistas ter levado vaias e a até “mamãozada” na cara no início da carreira, final dos anos 50 início da década de 60, quando, a exemplo de outros artistas, se apresentava em pequenos circos, clubes e cinemas do interior do Brasil. Era então apenas mais um cantor em busca da fama. Seja lá em que data tenha sido, o artista que se apresentou em Leopoldina já não era tão desconhecido. Não tinha ainda recebido o título de “Rei da Juventude”, que ganharia em novembro de 1966 no programa Discoteca do Chacrinha da TV Tupi, mas já havia gravado alguns Compactos e álbuns e emplacado alguns sucessos principalmente no Rio de Janeiro como: “Calhambeque”, “Splish Splash”, “Parei na contramão” “Aquele beijo que te dei” entre outros.Cantou em Leopoldina “Não quero ver você triste” lançada em fevereiro de 1965. No final deste ano lançaria o mega-sucesso “Quero que tudo vá pro inferno.”

Era plena ditadura militar e apesar do conservadorismo reinante em Leopoldina, já existiam muitos admiradores do Rock na cidade. Mesmo que representassem de certo modo uma novidade “estranha”, havia uma certa tolerância por parte das autoridades para com esses artistas, pois como não eram engajados politicamente, não ofereciam “perigo”.

Nessa época, Roberto Carlos se apresentava pelo interior com sua guitarra Giannini e acompanhado apenas pelo baterista Anderson Márquez, o Dedé e o baixista Bruno Pascoal. Era o RC3. Vieram a Leopoldina em um Fusca. O primeiro automóvel de Roberto Carlos foi um fusca 1960 que ganhou da gravadora CBS. Em 1965 comprou seu primeiro carro zero km, outro fusca, que usava em viagens pelo interior, principalmente do Rio de Janeiro e Minas Gerais. Erasmo Carlos teria vindo junto também, mas sem participar da apresentação. Segundo Paulo Roberto Xavier Oliveira, o Bebel, se hospedaram no Hotel Avenida de propriedade de seu pai. Almoçaram no Centenário onde, de passagem pela Rio-Bahia, já teriam se hospedado em outras ocasiões.

O show no Cine Theatro Alencar na rua Barão de Cotegipe, marcado para as 19:00, acabou atrasando. Segundo o músico Vagner Nogueira, o Vaguinho, na época integrante do conjunto musical leopoldinense Musiritimos, houve um Curto-Circuito por diferença de voltagem do sistema elétrico do prédio e a modesta aparelhagem do cantor que pifou por completo. “Emprestamos nossa aparelhagem para que Roberto Carlos pudesse se apresentar” disse Vaguinho.

Algumas pessoas que estiveram presentes no dia negam que tenha havido vaia. Zezé Baía, minha mãe, era uma dessas moças que lotaram o cinema e diz que houve uma pequena manifestação de insatisfação da platéia, pelo atraso, mas nada de relevante. Mário Pinheiro, outro que também esteve presente, concorda que não houve vaia, e que houve sim manifestação de admiração pelo cantor, principalmente por parte das fãs: “Lembro da dificuldade de se conseguir um autógrafo, dado todo o alvoroço das meninas. Tenho o meu guardado até hoje”. Como sua guitarra pifou o jeito foi arranjar um violão e foi o que fez Heraldo Nogueira, irmão de Vaguinho, que conseguiu o instrumento com Nestor Capdeville, hoje residente no Rio de Janeiro. Heraldo diz que Roberto Carlos ficou muito agradecido pelo gesto. “Infelizmente não tenho nenhuma lembrança como fotos ou autógrafo, mas sei de muitas passagens cômicas contadas pelo Marinho (Mário Pinheiro)”, Uma dessas passagens é a de que antes da apresentação começar, a platéia estava ansiosa para ver Roberto Carlos e ao perceber uma movimentação na entrada do Cine Alencar,entrou em polvorosa! Aplausos, gritos, e então, eis que surge no corredor o Zé Mauro Junqueira vestido num terno, fingindo estar emocionado e agradecendo: “Eu não sabia que era tão querido!” Aí sim houve vaia.

Pedro Henriques Barbosa, O popular Xoxola contesta essa versão e diz ter sido ele quem levou o violão para o cantor. Não sei se foi o que de fato aconteceu. Pelo visto o que não falta é história ou estórias dessa passagem de Roberto Carlos por Leopoldina.

Provavelmente após a publicação deste texto, haverá contestações justas ou fantasiosas, o que só reforçam nossa preocupação com a falta de registros, tanto de fatos históricos como de outros de menor importância, mas que fazem parte da memória leopoldinense.

Publicado na edição nº 138 do Leopoldinense de 16 de agosto de 2009 e atualizada em 07/03/2014.


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »