05/06/2016 às 19h57min - Atualizada em 05/06/2016 às 19h57min

Disco gravado por leopoldinense é raridade musical vendido a peso de ouro

Em decadência, ele viveu seus últimos anos recluso no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, onde faleceu em 27 de dezembro de 1996, devido a um infarto

Capa do disco
O jornalista Lucas Simões publicou nesta segunda-feira, 2 de março, no jornal O Tempo Online, de Belo Horizonte, uma matéria em que revela a existência de um LP intitulado  ‘Estrelando Embaixador’ gravado pela obscura Tribo Massáhi, em 1971, no Rio de Janeiro.

A matéria revela também a existência de Sebastião Rosa de Oliveira, mineiro de Leopoldina, na Zona da Mata, militante ativo do movimento negro entre as décadas de 1950 e 1970, e responsável por escrever, idealizar e cantar uma parte rica e ofuscada da história musical brasileira.

Segundo o texto publicado no jornal O Tempo, com apenas seis ou sete cópias espalhadas pelo Brasil e avaliado como o LP mais caro do país hoje – na faixa de R$ 7.000 –, o único álbum lançado por um artista esquecido ganha reedição de luxo pelo selo paulistano Goma Gringa, e esclarece uma história inédita sobre o encontro de psicodelia e candomblé para marcar a África no coração do Brasil.

“É um disco que parece uma jam session afro com pegada pop, piscodélico, um coro feminino forte e o cara cantando até em língua nagô (dialeto de escravos africanos vendidos na Costa do Marfim). Chama muita a atenção de primeira”, avalia Itamar Dantas, jornalista radicado em São Paulo, que trabalha desde 2012 em cima da história do Embaixador, como Sebastião era conhecido.

Praticamente esquecido, o álbum “Estrelando Embaixador” é considerado uma raridade entre colecionadores pelas características estéticas e sonoras. A começar pelos compassos inspirados nos camelos, como está explicado na contra-capa do LP. “O desenho rítmico foi baseado nas passadas do camelo, que se enquadra na divisão 4/4, na mesma linha do YÁ YÁ YÁ e Souk Music, a qual foi dada o nome de OGA, isto, porque em Lagos, capital da Nigéria, é um tratamento íntimo entre amigos. Lá, o homem se sente bem quando é comparado a um OGA (camelo)”, diz o texto assinado pelo Embaixador em co-autoria com o parceiro João Negrão.

O pesquisador Eduardo Carvalho, que tem um exemplar da obra e disponibilizou sua bolacha para a reedição da gravadora Goma Gringa, diz que hoje o álbum vale mais do que peças de museu avaliadas em cerca de R$ 3 mil, como “Sua Música, Sua Interpretação” (1968), primeiro disco de Gilberto Gil antes da Tropicália, e “On Stage” (1972), LP de Jorge Ben Jor lançado apenas no Japão pela Phillips. “Um dos motivos para o disco do Embaixador chegar a um preço estratosférico é porque, de certa forma, ele foi pioneiro em criar uma obra do candomblé e da cultura negra no país, apesar de vários artistas, como o próprio Jorge Ben e o Gilberto Gil beberem nessa fonte, mas não terem feito obras genuinamente africanas”, diz Carvalho.

CONCEITO. Mesmo cultuado por adoradores de vinil, a produção de “Estrelando Embaixador” foi praticamente displicente. O álbum foi gravado em duas faixas contínuas de 14 minutos cada, totalizando 28 minutos nos lado A e B. O processo aconteceu em apenas um dia, no estúdio Rio Som, quando o próprio Embaixador reuniu os músicos para os takes. Um deles, Ruy Ipanema, declarou que a gravação foi bem improvisada. “Não tinha arranjos com partituras, essas coisas. Era no máximo a cifra. A gravação durou o dia inteiro”, diz.

Um dos aspectos mais complicados para Itamar Dantas dissecar a banda Tribo Massáhi foi esclarecer os nomes dos músicos, retratados na bolacha em língua nagô sob os nomes de Aymmi, Koffi, Korede, Kolawole, DuroTimi, Omopupa, Iyalode e Abeke. “Isso aumentou o mito em torno do Embaixador. Teve gente dizendo que ele gravou o álbum com uma banda nigeriana, mas isso é mentira, eram todos músicos brasileiros, só que pouco conhecidos”, diz Dantas.

As composições também foram escritas por compositores desconhecidos, como José Prates, Heitor da Costa, Wilson Guimarães, Rui Barbosa, além do próprio Embaixador, que assina três das oito faixas – “Walk by Jungle”, “Dandara” e “Oan”.

Com o disco lançado, Embaixador chegou a inscrever a música “Karany Karanuê” no Festival Internacional da Canção (FIC) de 1971. Mas, misteriosamente nem ele ou qualquer membro da Tribo Massáhi compareceu para defender a canção, que acabou interpretada por Diana Camargos, autora da letra. “A Tribo Massáhi chegou a ter destaque em jornais depois do FIC. Mas, desde o ano seguinte, 1972, não se há mais notícias da banda. Então, o disco acabou esquecido pela divulgação que nunca teve de fato”, frisa Dantas.





Disco

LP. A canção “Pae João”, que abre o lado B de “Estrelando Embaixador” foi regravada no disco “Seu Jorge e Almaz” (2010), com participação de Lucio Maia e Pupilo, guitarrista e baterista da Nação Zumbi, além de Antonio Pinto.

Mitos cercam vida e obra de Embaixador 

Gravadora Goma Gringa coloca à venda mil cópias do LP no Brasil e joga luz sobre a vida de Sebastião Rosa
 
Lucas Simões

Em uma pesquisa de três anos do jornalista Itamar Dantas, a vida de Sebastião Rosa de Oliveira, ou simplesmente Embaixador, veio à tona, caindo por terra vários mitos sobre sua obra pouco divulgada. “Havia várias histórias em torno dele. A principal é que ele seria irmão do Tony Tornado. Mas o Embaixador era filho de Geraldo Rosa de Oliveira e Joaquina Rosa de Oliveira, de Minas Gerais. Ele foi abandonada pela mulher, não teve herdeiros, apenas amigos que conviveram com ele e puderam relatar seu perfil”, diz Dantas.

Nascido em 10 de setembro de 1934, em Leopoldina (MG), o Embaixador se mudou para a capital carioca ainda na juventude. Lá, sempre teve relação com o mundo artístico, ao começar a trabalhar como figurante da TV Tupi em 1950. “O apelido dele mesmo veio porque sabia várias línguas, como inglês, francês e um pouco de alemão”, revela Dantas.


Embaixador em cena de briga com Roberto Carlos, na contra-capa da VHS do Rei.

A história mais conhecida do Embaixador está atrelada à bocada que conseguiu no filme “Roberto Carlos em Ritmo de Aventura”, que promovia o álbum homônimo de 1968 do Rei. “Ele era um vilão que corria atrás do Roberto e acabou saindo na foto de contra-capa do VHS. Nessa época, atuava também como intermediador de figurantes negros para filmes. E teve um papel importante sendo intermediário de atores negros em programas na TV ou no cinema”, esclarece Dantas.


Embaixador em cena do filme "Quilombo"

A partir da década de 1980, porém, os bicos como figurante começaram a ficar escassos. Em 1985, Embaixador chegou a participar do filme “Quilombo”, de Cacá Diegues, em que interpretou Xangô. “Foi a época mais triste para ele porque começou a trabalhar vendendo camisetas de silk screen e fazer pequenas costuras para sobreviver”, completa o jornalista.

Em decadência, Embaixador viveu seus últimos anos recluso no Retiro dos Artistas, no Rio de Janeiro, onde faleceu em 27 de dezembro de 1996, devido a um infarto. “No enterro dele não foi praticamente ninguém. Só alguns amigos do Retiro dos Artistas. Por isso, a reedição da obra dele é tão importante, 44 anos depois do lançamento do LP ”, diz Dantas.

Trabalho. A reedição do álbum foi encabeçada pela gravadora Goma Gringa, dos sócios franceses Frédéric Thiphagne e Matthieu Hebrard. Sem acesso às fitas K7 originais da época, “que não devem existir mais”, eles tiveram que correr atrás dos raros LPs. Cedido pelo pesquisador Edson Carvalho, os 28 minutos da bolacha foram gravados de forma analógica no estúdio-selo Somatória do Barulho, em São Paulo.

A maior dificuldade, entretanto, foi recuperar a capa original do disco, danificada pelo tempo. “A capa foi feita de papel offset, com um fundo chapado, e a foto e os escritos em preto por cima. Tivemos o trabalho de tirar marcas da imagem, e pedaços de tinta que foram embora tiveram que ser recriados. Tudo isso é um processo digital, que durou mais ou menos cem horas”, detalha Frédéric.

A princípio, eles vão colocar no mercado 2.000 cópias da bolacha – sendo metade para distribuição no Brasil e a outra metade na Europa, através de uma distribuidora de Amsterdã.

Em território nacional, o álbum terá o preço de R$ 69, enquanto na gringa deve variar de € 22 pela internet a € 36 em lojas físicas, equivalente a R$ 70 e R$ 115, respectivamente. “É um preço mais alto porque é um disco de colecionador”, completa Frédéric. Por enquanto, os LPs podem ser comprados pela internet, no site da Goma Gringa (www.gomagringa.com).


 
http://www.otempo.com.br/divers%C3%A3o/magazine/mitos-cercam-vida-e-obra-de-embaixador-1.1001801
 
 
 


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