17/04/2014 às 09h43min - Atualizada em 17/04/2014 às 09h43min

Natalino

"Natalino...trabalhar ou morrer? Morrer!"

Por Antonio Valentim
Luciano Baía Meneghite

Os momentos que passamos em nossa infância, as pessoas que conhecemos, ficam gravadas em nossa memória para sempre. Por toda nossa vida as imagens nos acompanham e perpetuamos os personagens, contando suas histórias para nossos sobrinhos, filhos, netos e amigos. Essas histórias são diversificadas, umas são folclóricas, outras hilárias, e algumas são sérias, com fatos que de alguma maneira marcaram nossa existência.

Após os anos cinqüenta a sessenta e poucos, havia em nossa cidade um tipo muito interessante, que por onde passava, fazia a alegria das pessoas, principalmente da molecada. Sua origem, nunca se soube ao certo, mas os mais velhos diziam que ela era oriundo do distrito de Vista Alegre e que sempre vinha para Leopoldina de trem, que ainda existia na época. Natalino era seu nome. Era um mulato puxado a sarará, espigado, de lábios grossos que viviam sempre molhados de baba e saliva, pois Natalino era meio mongolóide. As roupas que usava, um dia eram maiores para seu tamanho, outro dia eram menores, isto porque nunca eram realmente dele. Trazia sempre ao pescoço colares de tampinhas de garrafa, e outras quinquilharias, tudo amarrado com barbante, e que ele próprio fazia. Nas mãos que nunca ficavam sossegadas, latas de salsichas, ervilhas, óleo e outras mais, também atadas com barbante, que ele vinha batendo pelas ruas e que hoje me fazem lembrar os “bate begues” atuais. Acho até, que Natalino foi o precursor deles, pois batia as latas umas nas outras, com grande habilidade, chamando a atenção de todos e a garotada se reunia em volta dele para ouvi-lo falar e fazerem chacotas com seu vocabulário.

Natalino era inofensivo e parecia gostar das crianças, pois ria muito quando estava rodeado por elas. Não pedia esmolas nem alimento aos outros, as pessoas e que o agraciavam com roupas, comida e algum dinheiro. Quanto ao dinheiro, existia um detalhe muito interessante. Quando as pessoas lhe davam notas, ele recusava dizendo com sua fala enrolada e rápida: “Qué não! É papé! É papé!”. Assim sendo, só aceitava moedas. E quando alguém insistia com cédulas, se pusessem em suas mãos, ele acabava rasgando. Mas o que mais divertia o pessoal era quando a turma lhe perguntava: Ô Natalino, trabalhar ou morrer? Ele respondia sem vacilar: Morrê! Morrê!” E ia em frente batendo suas latas.

Não sei que fim levou aquele amigo da meninada,mas acredito, que após a extinção do ramal da ferrovia de Leopoldina a Vista Alegre, ou vice versa, nosso amigo não o teve mais transporte e ficou por lá em sua terra natal com seus familiares, se é que os tinha.

(Publicado originalmente em setembro de 1997 no jornal EQUIPE)


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