O CANTINHO POÉTICO homenageia esta semana o POETA que , marcado para poesia , constituiu sua vida em tudo aquilo e só aquilo que expressou em arte literária : MANUEL BANDEIRA . Ao dizer que “ engoliu um dia um piano , mas o teclado ficou de fora “ , constrói seu autorretrato através de uma manifestação poética , onde pinta um permanente estado de espírito, o eterno riso de sua boca alegre , ocultando o ar disposto do mau destino presente em grande número de suas poesias , motivado pela espera da morte desde dezoito anos . Podemos constatar tal afirmação no poema :
“ EPÍGRAFE “
Sou bem nascido . Menino ,
Fui , como os demais , feliz .
Depois , veio o mau destino
E fez de mim o que quis .
Veio o mau gênio da vida ,
Rompeu em meu coração ,
Levou tudo de vencida ,
Rugiu como um furacão ,
Turbou , partiu , abateu ,
Queimou sem razão nem dó _
Ah , que dor !
Magoado e só ,
__ Só ! __ meu coração ardeu .
Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria ...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria ...
__ Esta pouca cinza fria ...
MANUEL BANDEIRA expressa neste poema características que se coadunam com uma enorme insatisfação da vida , justificada pela tristeza e manifestada pela sordidez do Poeta na visão lírica de cada verso em :
“NOVA POÉTICA “
Vou lançar a teoria do poeta sórdido .
Poeta sórdido :
Aquele em cuja poesia há a marca suja da vida .
Vai um sujeito ,
Sai um sujeito de casa com a roupa de brim branco muito
[ bem engomada , e na primeira esquina
[ passa um caminhão , salpica-lhe o paletó
[ Ou a calça de nódoa de lama :
É a vida .
O poema deve ser como a nódoa no brim :
Fazer o leitor satisfeito de si dar o desespero .
Sei que a poesia é também orvalho
Mas este fica para as menininhas , as estrelas alfas , as virgens
[ cem por cento e as amadas que
[ envelheceram sem maldade .
Com uma bela criação constituída somente com palavras , MANUEL BANDEIRA , num recurso estilístico , processa um poema musical , com foco nas obras de Debussy , compositor francês , quando executava suas canções para piano . O Poeta não teve intenção de apresentar uma música , portanto observa-se um seguimento de poesia , com arranjos de palavras
“ DEBUSSY “
Para cá , para lá ...
Para cá , para lá ...
Um novelozinho de linha ...
Para cá , para lá ...
Para cá , para lá ...
Oscila no ar pela mão de uma criança
( Vem e vai ... )
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
__ Psiu ... __
Para cá , para lá ...
Para cá , e ...
__ O novelozinho caiu .
Em um poema construído com base nas onomatopéias rítmicas , o Poeta desenvolve toda a poesia num sentido sônico imitativo de um trenzinho do interior em sua partida , com dificuldades num impulso inicial de seus movimentos lentos e ainda sem velocidade , a visão paisagística da roça , e um estilo próprio do linguajar do homem do interior , tudo como recurso de estilística fônica para impressionar no leitor uma sensação de sonoridade , idêntica ao ruído produzido pelo :
“ TREM DE FERRO “
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista ?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa , fumaça
Corre , cerca
Ai seu foguista
Bota fogo Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
Oô ...
Foge , bicho
Foge , povo
Foge ponte
Foge poste
Foge pasto
Foge boi
Foge boiada
Passa galho
De ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar !
Oô ...
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô ...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Oô ...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô ...
Vou depressa
Vou correndo
Vou na toda
Que só levo
Pouca gente
Pouca gente
Pouca gente ...
Ainda abusando , estilisticamente , de recursos fônicos , o poema a seguir apresenta a questão sobre o som das palavras , independentemente , de seus significados . MANUEL BANDEIRA obtém um precioso efeito lírico , incorporando os sons expressos através das palavras à significação do poema , sugestionando ao leitor ou ouvinte as badaladas dos sinos , traduzindo , grosso modo , as tristezas e as alegrias da vida .
“ OS SINOS “
Sino de Belém ,
Sino da Paixão ...
Sino de Belém ,
Sino da Paixão
Sino do Bonfim ! ...
Sino do Bonfim ! ...
Sino de Belém , pelos que inda vêm !
Sino de Belém bate bem- bem - bem !
Sino da Paixão , pelos que lá vão !
Sino da Paixão bate bão - bão - bão .
Sino do Bonfim , por quem chora assim ? ...
Sino de Belém , que graça ele tem ! S Sino de Belém bate bem –bem – bem .
Sino da Paixão __ pela minha mãe !
Sino da Paixão __ pela minha irmã !
Sino do Bonfim , que vai ser de mim ? ...
Sino de Belém , como soa bem !
Sino de Belém bate bem – bem – bem .
Sino da Paixão ... Por meu pai ? ...__ Não ! Não ! ...
Sino da paixão bate bão – bão – bão .
Sino do Bonfim , baterás por mim ? ...
Sino de Belém ,
Sino da Paixão ...
Sino da Paixão , pelo meu irmão ...
Sino da Paixão ,
Sino do Bonfim ...
Sino do Bonfim , ai de mim , por mim !
Sino de Belém , que graça ele tem !
Mesclando seus conhecimentos em Língua Portuguesa , pois foi professor em parte de sua vida , e uma prerrogativa de criar palavras , porque tem licença poética , MANUEL BANDEIRA , usando de uma bela magia criativa , expressa uma declaração amorosa em linda linguagem mítica .
“ NEOLOGISMO “
Beijo pouco , falo menos ainda .
Mas invento palavras
Que traduzem a ternura mais funda
E mais cotidiana .
Inventei , por exemplo , o verbo teadorar .
Intransitivo :
Teadoro , Teodora .
Em um melancólico diálogo cujo tema expressa o valor da vida e a maneira de viver , MANUEL BANDEIRA em um singelo e pequeno&nbs