01/06/2019 às 19h17min - Atualizada em 01/06/2019 às 19h17min

Por que a violência não diminui?

Antonio Márcio Junqueira Lisboa (*)

Franco Vaz, educador e pediatra, publicou, em 1914, um artigo, “Problema da Proteção à Infância”, onde, além de descrever a situação do menor abandonado no Rio de Janeiro critica as ações governamentais e propõe medidas corretivas, que nunca foram implantadas. Passados quase cem anos, a situação vem deteriorando-se cada vez mais. E por que isso acontece? A resposta a esta pergunta está no fato de que as ações dos governos em relação à violência são de ordem repressiva, paliativa. Seu objetivo maior é o combate à violência, sem maiores preocupações com a prevenção das causas determinantes, responsáveis pela formação de delinqüentes. Medidas que visem a melhorar as condições socioeconômicas da população, controlar o narcotráfico, acabar com a impunidade, coibir o contrabando e a venda de armas, embora importantes, são utópicas e pouco eficientes, pois atuam somente sobre as causas predisponentes ou sobre as conseqüências da violência.

 

Considero que a prevenção à violência é principalmente um problema pediátrico, o que exigirá o concurso de profissionais conhecedores das necessidades emocionais das crianças – pediatras, psiquiatras infantis, psicólogos, educadores, assistentes sociais, sociólogos, antropólogos – para ser resolvido. Já o combate ou tratamento da violência é responsabilidade do Estado, da Justiça e dos órgãos de segurança. Sem programas dirigidos para a prevenção, a violência seguirá crescendo, consumindo recursos fabulosos sem o retorno esperado; comportamentos anti-sociais, entre os quais se incluem os delinqüentes e os violentos. Acredito que isso só poderá ser conseguido se houver uma atuação sobre as crianças nos seis primeiros anos de vida, durante o processo de formação de seus valores, do seu caráter, da sua personalidade.

Assim, neste Fórum proponho-me a tentar convencer as pessoas de que a prevenção da violência é, em quase sua totalidade, de responsabilidade pediátrica. Ou protegemos nossas crianças para que se tornem adultos honestos e responsáveis, ou continuaremos caminhando, inexoravelmente, para o caos social. Trata-se, no fundo, de um problema de cidadania.

 
O QUE VEM SENDO FEITO?

Em termos de política de defesa dos direitos humanos, o Brasil é um dos países mais avançados. É signatário de vários tratados internacionais, leis têm sido promulgadas, e a Constituição Brasileira é considerada uma das que mais assegura direitos às pessoas, às crianças e aos adolescentes. O artigo 227 da Constituição visa a garantir às crianças e aos adolescentes, com absoluta prioridade, alimentação, educação, proteção, saúde, segurança. Infelizmente, na prática, não funciona, pois o que está prescrito não vem sendo cumprido. A criança ainda é considerada uma das menores prioridades em nosso país. Perde para os bancos, por exemplo.

Há mais de meio século inúmeras medidas vêm sendo tomadas para diminuir os episódios de violência. Entre outras, assinatura de tratados, promulgação de leis, implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente. Criação de Varas, Delegacias Especializadas, Escritórios de Defensoria, Conselhos Municipais e Tutelares, Comissões Nacionais, Estaduais e Municipais de Defesa de Direitos. Aumento do efetivo policial, treinamento adequado, criação de grupos especializados, reequipar a polícia, aumentar os salários, punir os corruptos, colocar a polícia nas ruas. Programas de proteção de testemunhas. Combate à pobreza, às desigualdades sociais, ao tráfico de drogas, ao contrabando de armas, à impunidade, à corrupção. Desarmar a população e as crianças de seus brinquedos marciais.  Construir centros de ressocialização para “recuperar” infratores adolescentes (FUNABEM, FEBEM), delegacias, penitenciárias, presídios de segurança máxima. Conscientizar a população, distribuir cartilhas com recomendações para evitar os diferentes tipos de violência. Criação de ONGs. Missas, protestos, passeatas pela paz e contra a violência, cartazes, distribuição de fitinhas, choros.


O RESULTADO?

As pessoas estão em pânico, inseguras, impotentes, acuadas, aprendendo a usar armas ou recebendo lições de defesa pessoal;

 

A mídia relata, em um crescendo, episódios e cenas terríveis de violência.

 

Nas capitais, mais da metade da população já foi vítima de violência.

 

A polícia instrui a população a se defender.

 

A população defende a pena de morte. Os linchamentos aumentam.

 

Fazendas são invadidas.

 

O futebol deixa centenas de feridos.

 

Cresce o número de empresas de segurança.

 

Aumenta a violência doméstica

 

Aumenta a corrupção, roubos, assaltos, seqüestros, homicídios.

 

A polícia é temida pela população, principalmente pelos pobres.

 

Aumentam os corruptos, inclusive entre parlamentares, governantes, magistrados e policiais.

As pessoas se defendem construindo grades, muros, compram armas, não saem de casa, não viajam à noite. Contratam seguranças, instalam equipamentos eletrônicos, usam carros blindados, helicópteros.

Os presídios e centros de recuperação estão superlotados. Rebeliões, fugas, assassinatos, são rotineiros.

Embora possa ser considerado paradoxal, quanto mais planos de combate à violência são implantados, mais ela aumenta.

POR QUÊ? 

 Os planos de combate à violência não visam prevenir os desvios de conduta, da personalidade, do caráter, responsáveis pelo aumento do número de delinqüentes, e sim, combater os crimes, usando para isso de medidas punitivas e restritivas, enchendo os presídios, tentando “recuperar” portadores de graves distúrbios de conduta, em boa parte, irrecuperáveis.
 

CAUSAS DE COMPORTAMENTOS ANTI-SOCIAIS

    DETERMINANTES: Gestação não desejada. Má convivência familiar e o mau

       Exemplo dos pais. Lar desestruturado. Falta de limites, disciplina, valores.  

       Baixa autoestima. Privação materna. Violência doméstica.  Má higiene   

       Mental.

    PREDISPONENTES: Miséria, desigualdades sociais, tráfico, armas.

   
    DESENCADEANTES:
Drogas, álcool, armas, emoções (raiva, prazer).

 
A semente da violência é implantada na criança ante dos seis anos.


COMO PREVENIR?

Paternidade responsável. Boa assistência pré-natal (feto). Amamentação. Adoção. Prevenção da separação mãe-filho (privação materna). Prevenção da violência doméstica - lares substitutos. Papel da família - boa convivência familiar, bom exemplo dos pais, apego, atenção, amor, segurança, ensino dos limites, disciplina, valores, auto-estima elevada. Papel dos professores – atenção, amor, segurança, ensino da disciplina, valores, limites, civilidade, educação moral e cívica. Elevação da autoestima. Cumprimento pelas autoridades, com absoluta prioridade, o que preceitua o artigo 227 da constituição federal.


CONCLUSÃO

A violência é uma doença psicossocial.  Não é causa e sim conseqüência da ação de indivíduos com distúrbios sérios do comportamento. Só diminuirá quando nos conscientizarmos de que sua prevenção está na formação de bons cidadãos, o que só será possível se as ações forem dirigidas para proteger as crianças com menos de seis anos, período em que a personalidade se estrutura. 

BIBLIOGRAFIA

Lisboa. A.M.J. – A Primeira Infância e as Raízes da Violência, Editora LEG, Brasília,2006.

Lisboa, A.M.J. - - Por que a violência não diminui – Gráfica do Senado, 2013;


(*) Membro da Academia Leopoldinense de Letras e Artes

 


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