06/01/2023 às 11h39min - Atualizada em 06/01/2023 às 11h39min

A desastrosa e anacrônica decisão de asfaltar a Getúlio Vargas

Eduardo Fajardo Soares (*)
O arquiteto e urbanista leopoldinense Eduardo Fajardo Soares, mestre em patrimônio pela UFMG elencou os motivos técnicos pelos quais é contra o asfaltamento da avenida (Fotos: PML e José Eduardo)
O Jornal Leopoldinense publicou em sua versão online, a minha opinião contra a desastrosa e anacrônica decisão de asfaltar o excelente trecho de calçamento de paralelepípedo na importante avenida Getúlio Vargas pela Prefeitura de Leopoldina.
 
Recebi de terceiros o que o prefeito publicou a respeito em sua rede social eletrônica.  Como estava assoberbado de eventos e trabalho final de ano preferi analisar calmamente as respostas do alcaide da cidade e conclui que não poderia me furtar de responder as falaciosas justificativas.
 
Antes de mais nada o que me chama atenção é o prefeito decretar o fim de um tradicionalíssimo ofício ainda necessário em vez de preservá-lo, capacitá-lo, como inclusive apregoam os fóruns do patrimônio da arte saber fazer ofícios populares, culturais. Ou seja, procura acabar com mais uma fonte de trabalho de exercício profissional tradicional. 
 
Recentemente, como noticiou este jornal, como deve ser antenada uma imprensa, faleceu um dos mestres desse ofício, que chegava ao ponto de assinar seu trabalho pela sua maestria e, ao que consta, absolutamente ignorado pela administração central.
 
Enquanto isso, repito, a ‘Rua das Pedras’, em Piacatuba necessitando de bons calceteiros para restaurá-la, reformá-la. O Rio de Janeiro, contratou calceteiros de Portugal para manutenção das calçadas de pedras portuguesas e treinamentos de profissionais. Belo Horizonte, idem.
 
E qual o absurdo argumento? "É um serviço pesado e feito em condições insalubres e incompatíveis com os novos tempos que vivemos"(sic). Primeiramente trabalhar com material fervente, pegajoso, imundo sob sol inclemente e leve, fresco, confortável, salubre?
 
Aliás me surpreende a preocupação de quem apoiou todo tempo o governador e presidente negacionistas da ciência, como ficou claro na pandemia, com sua lógica sanitária de proteção aos operários. Esses são "os novos tempos que vivemos"(sic)?
 
No campus da UFMG cujo calçamento é todo em pedras poliédricas ,embora não seja tão bom para rolamentos como o ótimo e bem mais caro paralelepípedo optamos por mantê-lo pelos óbvios motivos que elenquei  como permeabilidade, conter a velocidade das águas pluviais  e veículos, evitar o aquecimento ambiental e poeira asfáltica, etc. Aliás, repetindo, foram esses os motivos que há mais de meio século que o então diretor regional do então DNER , engenheiro Hilário Horta, mais esclarecido, retirou o asfalto do mesmo trecho que era a Rio-Bahia e no seu lugar colocou o eficiente atual piso elogiado pelos técnicos que fizeram o Plano Diretor, como testemunhou um leitor presente na sua Audiência Pública .
 
Lá, no máximo planejamos faixa asfaltada para uma pista de bicicletas, patins altamente prejudicados pela trepidação provocada por esse tipo de piso que se fosse de paralelepípedos era só delimitá-la. E os calceteiros trabalham vestidos, adequadamente protegidos no verão com um sombreiro e nas chuvas com capas, sem maiores riscos à saúde e bem-estar.
 
O irônico é que só falta colocar placa de inauguração de obras de manutenção de ruas da cidade.
 
Negar que Leopoldina não é uma cidade histórica após mais de duzentos anos de fundação e quase isso como município, é negar toda sua rica história. A cidade nos deu grandes personagens, cidadãos, como o seu melhor prefeito de todos os tempos, o intelectual  Jairo Salgado da Gama que adepto do grande educador nacional, Anísio Teixeira, trouxe para a cidade a Escola Parque (hoje CEFET), vários grupos escolares padrão e  antigo Centro de Treinamento de Professores,  no bairro Fortaleza, todos construções  de alto padrão arquitetônico (autor, aliás, descoberto por este jornal) que como essa última apodrece sem uso inclusive com um belo painel artístico.
 
Afinal o que é história para o prefeito?  Talvez por isso seus exemplares do patrimônio histórico não são devidamente protegidos, como está nos seus inventários, como indicou o Plano Diretor de 16 anos atrás, mas paulatinamente demolidos e substituídos por verdadeiros pastiches.
 
Não à toa que a cidade tem pontuação insignificante na sua proteção cultural para receber o ICMS Cultural, comparada inclusive com cidades vizinhas e bem menores e um terço menor que a vizinha Cataguases cujo comércio lucra com o turismo cultural e até com locações cinematográficas por ser muito bem preservada. Não havia e creio que ainda não há sequer um "folder" publicado pela Prefeitura Municipal de Leopoldina com seus exemplares turísticos. Porque não há ou porque desconhece?
 
Finalmente, quem está fazendo o Plano Diretor? Como foi contratado? Quando ocorreram as obrigatórias audiências públicas que ocorreram no anterior? Qual o cronograma? Cadê o laudo que recomenda o asfaltamento? Já foi aprovado pela Câmara de Vereadores?
 
O resto são argumentações vazias, cheias de lugar comum, pseudo progressistas. Uma prefeitura não pode se resumir à operações de tapa buracos e reformar jardins (e inaugurar estátuas.) Isso são básicos.
 
(*) Eduardo Fajardo Soares- Arquiteto e Urbanista da UFMG, Mestre em Ambiente Construído e Patrimônio Cultural  Sustentável  pela UFMG


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