17/04/2014 às 09h25min - Atualizada em 17/04/2014 às 09h25min

Nossa gente – Nestor Explosivo

Funcionário do Colégio Estadual

Por Antônio Valentim
Fotografia de Ivan Carlos - Acervo do Jornal Leopoldinense

Em nossa Leopoldina, quem nunca ouviu falar, ou não conheceu o Nestor Pires ou Nestor Explosivo, nasceu há pouco tempo ou não é daqui. Seu Nestor foi uma figura ímpar. De estatura abaixo da média, quase sempre de paletó, o andar meio bamboleante, mãos cruzadas às costas, “Seu Nestor” nunca ficava parado. Estava sempre atarefado, sempre trabalhando cuidando de ganhar seu sustento e o de sua numerosa família.

Além de funcionário do Colégio Estadual, “Seu Nestor”cuidava de mil e uma coisas. Comprava de tudo, vendia outras tantas, barganhava, ia ao Rio de Janeiro levando mercadorias aqui da terra, e trazia outras de lá para vender aqui.

Como já disse, Nestor tinha uma prole imensa e mais ainda, criava algumas crianças que não eram suas. Filhos de comadres e compadres que sem condições de criar seus rebentos, recorriam à bondade do compadre e amigo para amparar e alimentar suas crias. Com isso Nestor tinha sempre a casa cheia e muitas bocas para alimentar.

Nas exposições sempre tinha sua barraca armada no portão de entrada do recinto da feira, Quem passasse por ali não poderia deixar de dar de cara com as mercadorias expostas e parar para dar uma olhada e muitas vezes fazer alguma compra. As mercadorias chamavam a atenção, pois, eram espalhadas pela calçada, e tinha de tudo. Porta retratos, agulheiros, espelhos, brincos, pulseiras, pó de arroz, rouge, batons, anéis, lenços para cabelo, tecidos diversos, enfim, ali se encontrava de tudo que procurasse. Afora isso, tinha também carrinho de pipoca, algodão doce, cocada baiana, cachorro quente, chocolate etc. Mas o que mais me encantava nessa parafernália de mercadorias, eram as caixas de maçãs e de pêras, que com seu perfume característico, faziam com que eu ficasse ali por perto ajudando ou tentando ajudar os filhos de “Seu Nestor”, o Jairo, o Bebeto ou o Alicio a vigiar as mercadorias para que algum gato não lhes passasse as unhas. Mas na realidade, o que me prendia mesmo ali era o aroma das frutas, pois maçã e pêra naquela época eram novidades que nós só víamos nesta ocasião de exposição. Comer então!Só se ficasse doente e fizesse manha chantageando a mãe ou o pai para que eles comprassem, pois essas frutas eram só para crianças ricas. Era aquele ditado: “Pobre só come galinha, quando um dos dois está doente”. Assim, esse dito popular prevalecia para as maçãs. Daí o meu interesse em ajudar os amigos na intenção de que eles ao pegar alguma fruta escondida para comer, me agraciassem com um pedaço.

Mas vou voltar a me concentrar no meu personagem desta edição, que no caso é Seu Nestor.

Como já disse anteriormente, nosso focalizado fazia de tudo um pouco. E, nessa história, ele tinha um boteco ali na Praça do Urubu, que naqueles tempos, nos carnavais da cidade, era o centro nervoso nos festejos de momo, pois como sabemos, esta praça fica nas proximidades dos dois maiores clubes da cidade de então, o Leopoldina e o Cotubas, pois ainda não existia o Moinho. O delegado de policia de Leopoldina era o Dr. José Gomes Domingues, famoso e respeitado em toda região. Em nossa cidade então nem se fala. Quando o carro preto vinha ao longe, se bem me lembro era um Chevrolet, os moleques sumiam das ruas, os bebuns tradicionais da terra largavam os copos e até os cachorros paravam de latir e de brigar, tamanho era o respeito que nosso delegado impunha. Respeitado e admirado por toda a comunidade, tanto que foi eleito deputado estadual quando se candidatou, chegando a ser secretário de Estado de Minas Gerais. Mas,nesse carnaval ao qual me reporto, estava o delegado fazendo sua costumeira ronda pelos clubes,quando ao passar pela porta do Cotubas, ouviu um diálogo entre dois foliões que saíram suados de dentro do clube, um chamando o outro para irem até o boteco do Nestor para tomar um café. O delegado, que era muito inteligente e perspicaz, achou aquilo muito interessante. Com aquele calor, era bem fora de propósito se tomar café, e ainda mais em pleno carnaval. Resolveu ir atrás dos rapazes, e ao chegar à porta do boteco, ficou espiando os dois pedirem ao Nestor dois cafés no capricho. Viu quando Seu Nestor pegou embaixo do balcão uma chaleira e serviu aos dois rapazes.

Tenho que lembrar aos leitores, que nos dias de carnaval era expressamente proibida a venda de aguardente na cidade, de acordo com portaria baixada pelo juiz de direito. Assim que os rapazes saíram, o delegado entrou no bar. Ao vê-lo, Seu Nestor quase caiu duro no chão e cheio de salamaleques e rapapés saiu para abraçar o delegado, falando do prazer e satisfação em tê-lo em seu estabelecimento. Em seguida, perguntou ao doutor o que ele desejava. O doutor, falou que queria um café. Seu Nestor imediatamente gritou para dentro do boteco chamando sua esposa, pedindo-lhe que preparasse um café bem gostoso para servir ao delegado. O Dr.Domingues falou com a esposa do Nestor que não se incomodasse, que ele queria era do café da chaleira, o mesmo que o Nestor servira aos dois rapazes que acabaram de sair. Nestor contemporizou dizendo que aquele estava frio e fraco e ia passar um quentinho na hora, pois o delegado merecia tratamento especial e diferenciado. O delegado voltou a insistir que queria era do café da chaleira. Quando Seu Nestor viu que não ia conseguir enganar o astuto policial, pois viu que o mesmo já havia percebido sua embromação, tendo descoberto que o que havia na chaleira era cachaça, pediu-lhe mil e uma desculpas e começou a falar da filharada, da vida cada vez mais difícil com tantas bocas para alimentar, tinha que se virar para ganhar algum dinheiro extra, e por isso tinha arrumado aquela mutreta, mas que o doutor podia ter certeza que ele pararia agora mesmo. O doutor José Domingues era bravo, mas compreensivo e sabia das dificuldades do Seu Nestor com toda aquela criançada, por isso, passou-lhe um “sabão”, fazendo-o prometer que aquilo não se repetiria. Seu Nestor, ainda tremendo com o susto e a embrulhada em que se metera, fez mil promessas de que dali para adiante não ia mais desrespeitar a lei.

Seu Nestor faleceu há alguns anos e para mim é uma das pessoas que merecem uma homenagem da comunidade leopoldinense pelo grande batalhador que foi e por tudo que fez pelos outros em toda sua vida.

Publicado originalmente no jornal Equipe. Texto atualizado e republicado no Leopoldinense. 


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