08/09/2015 às 09h38min - Atualizada em 08/09/2015 às 09h38min

A carta

Fernanda Rayol Campana Pires (*)
Fernanda Rayol Campana Pires, 2º médio Colégio Equipe

Era domingo. Como de costume, eu e meus pais iríamos à casa da minha bisavó Iná. Dona Iná mora em Leopoldina mesmo, próximo à Paróquia Nossa Senhora Do Rosário. Então, chegaríamos lá em menos de vinte minutos.

Assim que chegamos, a bisa veio toda alegre abrir o portão para entrarmos. Almoçamos. E agora começa o mesmo tédio de todos os domingos na casa da Dona Iná. Eu não tinha o que fazer. Fiquei olhando um bom tempo para o teto, observando como parecia que este cairia sobre minha cabeça a qualquer momento.

Estava indo para o quarto, para poder dormir um pouco, quando eu vi uma porta embaixo da escada. Como eu não estava fazendo nada, decidi conferir e, por sorte, estava aberta.  Entrei e tinha alguns degraus para descer. Desci procurando um interruptor em meio à escuridão. Acendi a luz e diante dos meus olhos estava o que parecia um quarto antigo. Tinha uma mesa perto da escada, com várias folhas escurecidas e lápis desgastados. Logo ao lado, havia uma espécie de guarda-roupa entreaberto, com várias coisas velhas, espalhadas e bagunçadas como se tivesse passado um furacão. Até que avistei uma coisa que me chamou atenção: um baú gigante e dourado, parecido com o de um pirata. Fui explorar esse tesouro! E, de novo, por sorte, estava aberto. Havia bastante joias, algumas penas, livros e, no meio disso tudo, uma carta. Uma única carta. Abri-a e comecei a ler:

“Caro alguém, quem vos escreve é Marieta. Estou, neste exato momento, em pé diante à construção do ‘Gymnásio Leopoldinense’. Ainda não tem nada além de uma grade, algumas árvores e uma haste com uma bandeira  na ponta. Ao decorrer do tempo volto a lhe escrever como este patrimônio ficará depois de pronto.”

Virei para a outra folha, louca de curiosidade para saber o fim dessa história.

“Estive conversando com meus amigos e descobri a razão da realização desta grandiosa construção: os irmãos Custódio e o sr. José Monteiro Ribeiro Junqueira estão querendo educar os filhos da oligarquia da Zona da Mata Mineira, construindo uma escola. Vamos ver o que irá acontecer.”

Fui para a outra folha.

“Passaram-se três meses, e no dia 3 de junho de 1906, a Escola Normal do Ginásio Leopoldinense foi inaugurada. Magnífica, deslumbrante, uma escola com um excelente ensino. Mal vejo a hora de ter um ensino digno!”

Continuei lendo...

“Estamos em 1918, e já estou formada. Passei em frente à minha antiga escola e me deparei com a construção do lado esquerdo da mesma. Agora sim está ficando bonita por demais. Quero só ver o término disso...”.

“Ano de 1926, já estou com 36 anos, tenho família. Moro na mesma casa quando era criança, então passo todo dia em frente ao Ginásio. Fiquei sabendo que em 1921 o curso de odontologia foi suprimido e, logo em seguida, o curso de farmácia. Mas que lástima, não?! Em mais uma passagem pela fachada daquela escola, vi que o lado direito estava sendo construído. Belíssimo!!!!

Enfim 1946, já estou na fase idosa, e não deixo de assentar na praça para observar e relembrar os velhos tempos na minha escola. A mesma, que fez com que Leopoldina se destacasse trazendo para a cidade, centenas de estudantes de toda a redondeza, foi adquirido pelo bispado.

Já estou no hospital escrevendo esta carta, entregá-la-ei à minha filha Iná para que ela guarde com carinho. É 1955, o patrimônio que eu tanto observava já mudou de nome. Agora se chama ‘Colégio Estadual Professor Botelho Reis’, em homenagem ao diretor. Espero também que minha filha repasse esta carta para a filha dela e assim por diante, para elas notarem a diferença, como ocorreu a construção e que fique guardado para sempre na memória de cada descendente desta família.

Assim a carta acabou. Então saí em disparada para ver de perto a escola. Chegando à praça, fiquei imóvel, observando e imaginando minha tataravó ali sentada, como eu estou, vendo tudo aquilo acontecer. Desde as primeiras paredes até a última. Se a dona Marieta estivesse viva, ficaria decepcionada com a transformação que a sua escola passou. Continua com uma belíssima fachada, porém com várias pichações, vandalismo e janelas quebradas. Infelizmente, nem todo patrimônio pode ser conservado. Mas garanto que vou levar esta história e este aprendizado para todos da minha futura família e meus amigos.

(*) Crônica classificada em 3º lugar no II Concurso Literário da ALLA-Academia Leopoldinense de Letras e Artes- Tema: Patrimônio e Memória -Aluna do 2º médio do Colégio Equipe Leopoldina


Link
Tags »
Notícias Relacionadas »
Comentários »