17/06/2020 às 10h50min - Atualizada em 17/06/2020 às 10h50min

153 – Pioneiros de Leopoldina – Caminhos percorridos pelo homem livre

Conforme prometido no Trem de História anterior, os caminhos percorridos pelo homem livre formam a “bagagem” para a viagem de hoje.

Quando se fala em antigos caminhos é comum se pensar em rios como estradas. Mas é preciso observar que nem sempre estes cursos d’água se prestavam a isto, simplesmente porque muitas das vezes não eram navegáveis.

Na verdade, os caminhantes seguiam os rios, nos dois sentidos, muito mais como forma segura de orientação para avançar pelas matas, já que as águas correntes não retornam ao ponto de onde vieram e porque lhes dava a certeza da direção a seguir no retorno.

Agora, mergulhem num tempo em que a mão humana contava com poucos equipamentos que lhe facilitassem a jornada. Esqueçam o GPS – Global Position System, e se imaginem no meio de uma floresta. Imaginem quantas vezes estas pessoas terão seguido um curso d’água que seria afluente do que acabaram de deixar para trás? Esta era a realidade.

E saiba que estas observações se referem aos primeiros entrantes e não às famílias que viriam mais tarde se estabelecer na Mata Mineira. É lícito supor que os primeiros homens livres que exploraram a região chegaram a pé, por picadas muitas vezes abertas pelos nativos, porque não existiam estradas carroçáveis.

Conforme lembrou Sérgio Buarque de Holanda[1], mesmo para transporte de cargas os cavalos foram “de escasso préstimo, preferindo-se os carros de bois sempre que houvesse estrada capaz”. Embora o autor se referisse aos sertões de São Paulo no século XVIII, a situação na capitania mineira nos primeiros anos do século seguinte não era diferente. Somente quanto da mudança da “família estendida”[2] para o novo endereço, quando já havia caminho que o permitisse, eram utilizados carros de bois para o transporte da carga. E mesmo aí, as pessoas continuavam viajando a pé.

É ainda de Sérgio Buarque a indicação de que, em alguns casos, eram contratados indígenas, mamelucos ou escravos de carga. O que não justifica as histórias contadas de que os fazendeiros possuíam numerosa escravaria, contada às centenas.

Até porque pelo que foi apurado nas contagens populacionais de 1831, 1834 e 1843 do Feijão Cru, a média de escravos por unidade era de 4,45 nos dois primeiros censos e, no terceiro, por terem aumentado as famílias sem escravos, a média diminuiu para 2,91 escravos por fogo[3].

Numa visita à cidade de Descoberto (MG), na década de 1990, foi entrevistado um antigo morador, descendente de militar da tropa que encontrou o então denominado “Descoberto do Rio Novo”. Declarou ele que a tropa saiu do Rio Pomba na Cachoeira Alta, entrando por um riacho que nasce na Serra do Descoberto. Do sopé da Serra eles teriam seguido o córrego Pouso Alegre, afluente do Ribeirão do Descoberto que deságua no Rio Novo. Seu antepassado teria sido designado para ficar de guarda no Arraial do Descoberto.

No Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo[4] de 2014, o pesquisador Geraldo Barroso apresentou uma comunicação sobre rotas a leste do Caminho Novo. Segundo ele, “os tropeiros do lado oriental do Caminho Novo enfrentavam dificuldades em suas viagens e tiveram que abrir novos caminhos que ficaram conhecidos por Caminhos de Dentro”. Um deles, que passa por Cipotânea, segue em direção a Mercês, depois vai aos municípios de Rio Pomba e Rio Novo de onde busca a cidade de Mar de Espanha.



O pesquisador apresentou fotos de tropeiros do início do século XX que continuavam a fazer o mesmo trajeto, ressaltando que, apesar de mais tortuoso, desviava da trilha montanhosa e passava por várias localidades onde eles vendiam, compravam e trocavam produtos, reabasteciam e evitavam a exaustão de seus animais.

Os dois relatos indicam percurso que coincide, em parte, com o trajeto da primeira diligência chefiada por Galvão de São Martinho. A diferença básica é que depois de Roça Grande a diligência caminhou e tomou a direção do Terra Corrida, descendo pelo Ribeirão Aventureiro e atingindo o Paraíba do Sul.

Por hoje o Trem de História fica por aqui. Mas a viagem com Pioneiros de Leopoldina continuará na próxima edição do Jornal. Até lá!
 
Fontes consultadas:
 
[1] HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos do Sertão. In: Revista de História, São Paulo, v. 28 n. 57, pp-59-111, 1964. p.73
[2] O significado mais usual para ‘família estendida’ é grupo composto por pais, filhos, irmãos e outros parentes próximos.
[3] Fogo era o nome dado a cada unidade habitacional que podia ser composta de uma ou mais moradias.
[4] BARROSO, Geraldo. Caminhos de Dentro. In V Encontro de Pesquisadores do Caminho Novo, Juiz de Fora, junho 2014.
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