05/09/2023 às 08h18min - Atualizada em 05/09/2023 às 08h18min

188 - CAMINHOS DA MATA

Nilza Cantoni e José Luiz Machado Rodrigues
Nestes quase 10 anos de viagens, o Trem de História sempre teve um olhar para os antigos caminhos da Mata Mineira, especialmente ao abordar os primeiros entrantes no território deste leste mineiro. Numa tentativa de trazer para os dias atuais um pouco sobre o que os passageiros viram, esta viagem parte do trabalho de Orlando Valverde.

Professor, geógrafo e pesquisador do IBGE, Valverde estudou a Zona da Mata mineira com o objetivo de subsidiar o planejamento da Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo. Seu trabalho foi publicado na Revista Brasileira de Geografia[1] e traz minuciosa descrição da região, incluindo cartogramas, dados censitários e uma hipótese do fluxo de povoamento da região. É um trabalho baseado na análise de dados geomorfológicos e informações históricas para a criação do que ele chamou de Mapa da Marcha do Povoamento com os possíveis percursos utilizados pelos povoadores.

O autor remonta à abertura do Caminho Novo no final do século XVII, observando que para além desta via de circulação nenhuma outra, para leste ou oeste, “atravessava aquele mar de verdura denso e sombrio” que ficou conhecido pelo sugestivo nome de Zona da Mata.

Registra, também, que no início era comum surgirem picadas em torno dos portos aduaneiros que demandavam o interior, sendo possível apontar algumas que poderiam ser rotas de migração para esta parte de Minas Gerais.

Anterior a 1830 foi a rota que ficou conhecida como Caminho Novo e margeava a Zona da Mata. Por volta de 1850 existiam dois caminhos que atingiam o Feijão Cru: um deles procedia do atual município de Rio Preto-MG e o outro de Paraíba do Sul-RJ. Em 1870, de Leopoldina já existiam caminhos para Itaperuna e Carangola.

Para o autor, “a marcha da ocupação maciça da Zona da Mata proveio de duas direções: do oeste e do sul”[2]. Nossos estudos demonstraram, porém, que antes de 1830 já deveriam existir picadas partindo de Barbacena em direção ao Feijão Cru, através dos rios Pomba e Novo, passando ao sul do percurso que Valverde registrou entre Barbacena a Visconde do Rio Branco. A justificar esta hipótese são as duas diligências[3] chefiadas por Pedro Afonso Galvão de São Martinho, nos anos de 1784 e 1786, das quais teria participado Tiradentes, e que tinham por objetivo descobrir e fiscalizar eventuais rotas de fuga de riquezas minerais pela Mata para serem exportadas clandestinamente pelo litoral fluminense.

Com base no cartograma de Valverde e nos levantamentos das concessões de sesmarias nos percursos indicados, é possível concluir que os requerimentos relativos ao sertão do rio Novo surgem a partir de 1811 e que em 1813 atingem o rio Pardo. De 1813 até 1818 se espalham por todo o território que mais tarde formaria o distrito do Feijão Cru, o que vem confirmar a existência, pelo menos, dos caminhos utilizados por estes primeiros entrantes.

Vale registrar que em alguns casos há indicadores de ocupação destas terras até dez anos antes do requerimento, o que leva a crer que tais caminhos podem ter sido transitados até um pouco antes das datas mencionadas. Ressalte-se que estes ocupantes dependiam de assistência religiosa vinda da Freguesia do Pomba até o final da década de 1820, gerando insatisfação e o desejo de se criar uma unidade administrativa mais perto de suas moradias.

No que se refere especificamente aos que demandavam a região do Feijão Cru, não parece haver dúvidas de que seguiam mais ou menos as mesmas rotas: - de São João Del Rei e Barbacena até às imediações de Santos Dumont os migrantes usavam a Estrada Real; - de Ibertioga para Barbacena, seguiam pelo alto da Serra da Ibitipoca; - de Santana do Garambéu e Santa Rita de Ibitipoca, chegavam a Santos Dumont por uma variante do Caminho Novo; e, - de Bias Fortes buscavam o entroncamento que vinha do Garambéu para seguir até Santos Dumont.

De um pouco acima de Santos Dumont esses migrantes buscavam os rios Pomba e Novo que lhes serviam de rota para o encontro de novas terras. Por vezes, encontrando o rio Pardo, desciam por ele até encontrarem o Pomba e, por este, o Feijão Cru.

Os provenientes de Bom Jardim de Minas e Santa Rita de Jacutinga, mais ao sul, seguiam até Matias Barbosa pelo Rio Preto e dali adentravam a mata até encontrarem o rio Pardo, por uma das várias picadas abertas ao tempo das viagens de Galvão de São Martinho, algumas delas cortando a Serra da Prata.

Francisco de Paula Ferreira de Rezende[4] conta que em 1829 Manoel Antonio de Almeida partiu do Bonjardim para o Feijão Cru “tendo passado por São João Nepomuceno, até onde as comunicações pareciam ser um pouco mais fáceis, tratou de procurar a atual freguesia do Rio Pardo (atual Argirita), onde já havia então um começozinho de povoação; e dali desceu com toda a comitiva aquele rio por uma picada ou por um caminho que já então havia mais ou menos transitável, porém que em vez de dirigir-se um pouco mais para o sul em demanda do Feijão Cru pequeno ou grande, ia ter, pelo contrário, ao lugar onde acha-se hoje a ponte que fica na estrada de Leopoldina para Cataguazes, e onde passava outro caminho ou picada, que vindo dos lados do Meia Pataca, chegava à atual fazenda da Providência.”

O mesmo Rezende lembra que ao deixar Queluz (Conselheiro Lafaiete – MG) para tentar a vida em São Fidelis – RJ, em 1861, passou por Mar de Espanha e tomou um caminho que passava por Rio Pardo para chegar a Leopoldina.
A partir de 02.07.1877, com a inauguração da estação da Estrada de Ferro da Leopoldina, o trem de ferro aos poucos foi tomando a dianteira dentre os meios de transporte. Restando aos pedestres e aos animais de tração, os trajetos mais curtos e as ligações com a estação ferroviária mais próxima.
 
           
 
[1] VALVERDE, Orlando. Estudo Regional da Zona da Mata de Minas Gerais. In: Revista Brasileira de Geografia, Rio de Janeiro, Ano XX, n. 1, p.26a
[2] Idem, p. 28
[3] CASTRO, Celso Falabella de Figueiredo. Os Sertões de Leste: Achegas para a história da Zona da Mata. Belo Horizonte:  Imprensa Oficial, 1987. p.20.
[4] REZENDE, Francisco de Paula Ferreira de. Minhas Recordações. Belo Horizonte: Itatiaia, 1988. p.349
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