03/09/2020 às 10h12min - Atualizada em 03/09/2020 às 10h12min

Do cru ao poluído, o triste destino de um mito fundante

Dora Stephan (*)
Toda cidade tem suas especificidades e suas excentricidades. Quando vim para Leopoldina para assumir a vaga de professora na Universidade Estadual de Minas Gerais disseram-me que a unidade ficava no Pirineus. Fiquei a perguntar aos meus botões: será que me enganei e fui parar na Europa, na divisa entre Portugal e França? Aí comecei a procurar imóvel para alugar e não é que me enviaram para a Coreia? Como assim? Dessa vez fui parar na Ásia? Tão longe!!!

À noite, sentei-me na Pizzaria Ó Pai Ó (um nome incomum para um estabelecimento do gênero, que normalmente recebe nome italiano), e quando me dei conta estava sentada ao lado do Córrego do Feijão Cru. Por que Feijão Cru e não Cozido ou simplesmente Feijão? Aí, curiosa que sou, fui pesquisar a origem do nome do tal manancial. Encontrei um trabalho datado de 2017 escrito – e bem escrito, diga-se de passagem- pelos pesquisadores Luja Machado e Nilza Cantoni, intitulado 200 anos do registro civil do Feijão Cru.  Neste, descobri que Feijão Cru era o nome original da hoje Leopoldina e que teria sido “substituído quando da emancipação administrativa em 1854”, segundo os autores.

Nada contra a Princesa Leopoldina, que aliás dela sei pouco ou nada, embora a tenha estudado em História do Brasil, provavelmente no ensino fundamental.  Só acho que seria muito mais interessante dizer que hoje moro no município de Feijão Cru, até porque aqui no Brasil se tem mania de homenagear os colonizadores, que quase nunca fazem jus a homenagem. Nem sei se é o caso da Dona Leopoldina e nem me interessa aqui saber. Só me lembro que era esposa de D. Pedro I ou II. Virgem Maria, me esqueci. Vou consultar o Google. 

Descobri também que o Córrego do Feijão Cru vai desaguar lá no Rio Pomba - esse sim caudaloso, porém também poluído - e outros tantos detalhes de uma longa história que não me cabe aqui contar, envolvendo sesmarias etcetera e tal. Mas adoro saber sobre os mitos fundantes. Isso aguça-me a imaginação. 

Resumo da ópera: fui morar na Coreia. Não sei se do Norte ou do Sul. Uma vez já morando em Leopoldina, cidade onde o vento parece fazer curva e seguir adiante, descobri mais um lugar pitoresco: Alto da Ventania. Fui para lá logo tomar uma fresca. Não senti grandes diferenças, mas conheci o tal Alto da Ventania. Que nome mais sugestivo!
Sugestivo também é o nome do melhor picolé que já experimentei: O Tirisquei. Uma das delícias de Leopoldina, ao lado dos produtos LAC – doce de leite, requeijão e manteiga. Mas tem outras também, pois Leopoldina é terra de comida boa! Nesse quesito, bom dar um passeio pelos distritos do município. Só para citar um exemplo, tem os restaurantes de Piacatuba – Terra de gente de bom coração - que ficam ao redor da praça principal. 

Atualmente, fico dividida entre Juiz de Fora – minha cidade natal – e Leopoldina, uma cidade intercontinental, pois tem Coreia e Pirineus, além do Canadá entre os dois (ah sim, o mercado); entre o Rio Paraibuna e o Córrego do Feijão Cru. Os dois mananciais têm algo em comum: a poluição. Recebem diuturnamente despejos de lixo, de entulho, tudo aquilo que não presta. Ambos são vítimas do desrespeito dos cidadãos e do descaso do poder público. Um dia desses volto a falar do assunto. Por hoje é só lamento. Pobre Feijão Cru! 


Mural de Funchal Garcia que retrata a lenda do Feijão Cru


(*) Dora Stephan – Jornalista e Professora da UEMG/Unidade Leopoldina
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