08/09/2022 às 06h44min - Atualizada em 08/09/2022 às 06h38min

A cultura de Leopoldina e o “quinto do infernos”!

Paulo Lúcio Carteirinho
Reprodução Rede Globo
 O nobre leitor já deve ter ouvido uma expressão muito falada no Brasil: “quinto dos infernos”. Essa expressão surgiu no período Brasil colônia, quando a Coroa Portuguesa criou o “Quinto”, um imposto que cobrava a quinta parte de todo o ouro encontrado no Brasil.

O tributo era tão odiado pelos donos das minas que passaram a chama-lo de “o quinto dos infernos”. Inclusive, tal imposto, somado a outros, foi um dos motivos da eclosão da Inconfidência Mineira em 1789, que na época lutava pela “Independência do Brasil”, de modo o país não pertencer mais a Portugal, assim deixando de enriquecer quem nos invadiu, explorou, matou e escravizou... . Mas que até hoje alguns gostam de homenagear.

Pois bem, passados mais de dois séculos da nossa “Independência”, comemorado na data de ontem, um projeto de lei enviado para a Câmara de Leopoldina me fez lembrar do “quinto dos infernos”. Não que seja um tributo novo sendo criado, na verdade nem lei nova é, trata-se de uma alteração de uma lei já existente, no caso a lei Vitalino Duarte, lei de incentivo à cultura.
 
Recentemente, o prefeito Pedro Augusto enviou para a Câmara de Leopoldina um projeto de lei que aumenta o valor do repasse do fundo municipal de R$ 500 para R$ 5.000 por mês.

O leitor deve estar se perguntando, o que essa lei tem a ver com o “quinto dos infernos”? Acontece que o valor proposto pelo prefeito é um pouco maior que um quinto do que ele gastou na construção da estátua da princesa Leopoldina, que custou mais de R$200 mil. Ou seja, para o fundo da cultura um “quinto dos infernos”.
 
Se a gente comparar com todo o orçamento da cultura, esse ano em torno de R$ 600 mil, a estátua custou 1/3 do orçamento. Se tem dinheiro para bancar as obras faraônicas deve ter também para financiar a cultura local.
 
Esse projeto de aumento do repasse é uma antiga reinvindicação dos artistas de Leopoldina, que inclusive, parte deles, estiveram recentemente na Câmara conversando com alguns vereadores, visando justamente pedir aos representantes do povo que fizessem alterações na lei, de modo colocá-la para funcionar.
 
Para surpresa de todos, passados alguns dias dessa reunião o prefeito enviou para a Câmara o projeto aumentando o valor do repasse. Isso me fez lembrar uma frase de Antônio Carlos de Andrada, que no período de 1930, percebendo que o povo estava insatisfeito com a República Velha e queria mudanças, disse: “vamos fazer a revolução antes que o povo faça”.
 
Foi justamente isso que o governo Pedro fez. Percebendo a movimentação dos artistas, que vem ganhando força, principalmente pelos últimos gastos faraônicos do governo, que por mais que tornem a cidade mais bonita recebem crítica e muitos começam a reivindicar gastos onde está previsto por lei, é o caso da Lei Vitalino Duarte.

Analisando o projeto, de fato o aumento do valor vai permitir que a lei saia do papel. Porém, esse valor é ainda muito baixo. Como disse anteriormente, um pouco mais que um quinto do que ele gastou com a estátua da princesa Leopoldina.
 
Se ele quer de fato colocar a Lei Vitalino Duarte para funcionar, ao invés de definir um valor fixo mensalmente, ele crie um percentual dentro do orçamento do município. Não precisa ser muito. Basta apenas 0,1% do orçamento total do município. Isso mesmo, se destinar 0,1% do orçamento vai melhorar e muito a lei e o governo ficará com 99,9% do restante do orçamento.
 
Será que um prefeito que manda fazer uma estátua de uma princesa no valor de mais de R$ 200 mil, não tem como destinar 0,1% do seu orçamento para o fundo da cultura? Vai destinar um pouco mais que um quinto do valor da estátua? Os artistas de Leopoldina merecem só “um quinto dos infernos”?
 
Não! Os artistas merecem muito mais que “um quinto dos infernos”. Dessa forma, espero que o prefeito repense no valor destinado ao fundo. Vale destacar que além do repasse são necessárias outras mudanças na lei, como tornar obrigatório o uso anual do recurso do fundo, pois não tem nada que obrigue o setor público a gastar esse dinheiro. Inclusive, o fundo tem dinheiro parado lá há bastante tempo e ninguém sabe como gastá-lo, pois não tem nada que obrigue.
 
Dessa forma, serão necessárias mudanças também nas regras de como gastar esse dinheiro, sendo necessária a criação de comissão para avaliar as escolhas do projeto, os valores, prestação de contas, que deve contar também com a participação do Conselho de Cultura, que deixou de existir desde a saída do secretário Victor Guilherme e que precisa urgentemente ser recriado.
 
Como podem ver, para colocar a Lei Vitalino Duarte em prática precisarão de várias alterações, não somente aumentar o repasse, dessa forma, seria bom antes de aprovar qualquer mudança fazer uma audiência pública permitindo a classe artística se manifestar.
Link
Tags »
Leia Também »
Comentários »