19/04/2023 às 16h04min - Atualizada em 19/04/2023 às 16h04min

Escolas ou armas??? Que futuro queremos para nossas crianças?

Dora Stephan (*)
Foto: Marcelo Camargo Agência Brasil
Nos últimos quatro anos, para ser mais específica, nos anos do governo de Jair Bolsonaro, o número de armas registradas ultrapassou a casa dos 1,3 milhões, ou seja, 1.354.751 novos armamentos entraram em circulação, segundo dados da Lei de Acesso à Informação, analisados pelos institutos Igarapé e Sou da Paz, nos quais se basearam vários veículos de comunicação.  No mesmo período, foram abertos 1.483 novos estabelecimentos de tiro, o que equivale a dizer que a cada dia desses anos sombrios foi aberto um novo Clube de Atiradores e Caçadores, os  CACs,  no Brasil.

No âmbito legal, foram 19 decretos, 17 portarias, duas resoluções e três instruções normativas facilitando a circulação de armas, e com um detalhe: sem o aval do Congresso, isto é, ao bel prazer de nosso governante mor à época.  A título de comparação, nos primeiros três meses do atual governo federal, foram registradas apenas 2,5 mil armas, o que já representa uma diminuição de 71,5% em relação aos primeiros meses do primeiro ano do governo anterior. Vale lembrar que uma das primeiras medidas adotadas pelo governo atual foi a revogação de decretos facilitadores do uso de armas e munições. Para tal, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, assim que tomou posse assinou um decreto que visa à reestruturação do controle de armas no Brasil.

É digno de registro que 70% dos homicídios do Brasil são cometidos por armas de fogo. Em contrapartida, no mesmo país que em quatro anos teve o número de armas em circulação aumentado para mais de 1,3 milhões – o ano de 2022 foi recordista em aquisição de armas -, o número de escolas públicas criadas foi muito pouco significativo. De acordo com dados do jornal Estado de São Paulo, o Estadão, havia um projeto para a construção de 460 novas escolas, mas nos três primeiros anos do governo de Bolsonaro apenas 7 (sete) delas haviam sido totalmente concluídas.

Vale registrar que os números da Educação no Brasil são bastante imprecisos, devido ao desmonte ocorrido nesta área, que atingiu, inclusive, o fornecimento de dados validados. Certo é que esforços foram empreendidos por parte do governo Bolsonaro em prol da criação de escolas cívico-militares, mas o número das que foram criadas durante seu governo também carecem de imprecisão, sendo que de acordo com dados divulgados pelos veículos de comunicação do país, seriam em torno de 50 escolas desta modalidade.  É possível afirmar que, considerando que as escolas cívico-militares eram a “vedete” do governo anterior, nem nisso o capitão obteve muito êxito. Houve pouca adesão à ideia.

Com relação à criação de escolas técnicas e universidades, durante os anos do governo do presidente Lula e da presidenta impichada Dilma Roussef, foram criadas 18 universidades universitários e 181 campi, além de 422 escolas técnicas federais. Vale ressaltar que os institutos federais (um total de 18 de início) foram criados no governo do primeiro. Já no governo de Jair Bolsonaro foram criadas 6 universidades e 12 escolas técnicas e profissionalizantes, dados também que não são convergentes na imprensa nacional. Há controvérsias.

Os números por si só já dizem muito e nos dão pistas do motivo pelo qual nossas escolas públicas estão sob constante ameaça, quer por parte de seus próprios alunos, quer por parte de pessoas que passaram a preferir armas do que as escolas e de seus agentes. E, pior do que isso, passaram a preferir massacrá-los.

A violência no âmbito escolar não é uma novidade em nossa sociedade. A violência contra crianças e adolescentes, tampouco. A socióloga Maria Cecília de Souza Minayo, uma das maiores especialistas brasileiras em pesquisas sobre a violência, aponta em seus estudos que ela é estrutural e propugna que se manifesta de várias formas: trabalho infantil; crianças vivendo nas ruas ou em instituições fechadas; violência doméstica e violência deliquencial. Contudo, qualquer estudo contemporâneo sobre violência nas escolas não pode deixar de considerar a violência advinda das redes sociais e dos jogos de aplicativos que incitam-na. Como se não bastassem as razões de ordem social, decorrentes de uma sociedade desigual, temos um ambiente virtual marcado por discursos que desqualificam os agentes escolares e desacreditam a Educação como um todo, bem como marcado pela cultura do ódio em vez do amor, da violência em vez da paz, da arma em vez do livro.

O somatório de todos esses fatores com o porte descontrolado de armas e munições formam o caldeirão de onde irrompe todos esses atos violentos, seja contra aluno (a)s – não raro, criancinhas inocentes  – ou professore(a)s. Aumentar o contingente policial nas escolas de modo a proteger seus agentes da fúria social  é uma medida necessária e urgente, mas está longe de resolver o problema da violência,  pois ele está nas entranhas de uma sociedade que há muito se individualiza e se desumaniza. Não restam dúvidas de que a escola potencializa tudo o que há de positivo e negativo em nossa sociedade, por ser um microcosmo da mesma.

Aí vem a pergunta que não quer calar. Quem tem que mudar? A escola ou a sociedade? A resposta, evidentemente, é:  ambas.  Mas o processo, como apropriadamente nos ensinou Paulo Freire, é dialético e calcado na dialogicidade.  Como nos versos da canção de Leila Pinheiro, é um movimento que transcorre “A toda hora, a todo momento, de dentro para fora, de fora para dentro...”. E vice-versa!  
 
(*) Jornalista e Professora da Universidade do Estado de Minas Gerais/Unidade Leopoldina
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