06/05/2023 às 08h33min - Atualizada em 06/05/2023 às 08h33min

Vai-se o homem, mas a obra permanece: 30 anos de Ação da Cidadania

Dora Stephan (*)
Em 24 de abril de 1993, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, criava o programa Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida, nome original. Na ocasião, houve uma grande mobilização social em torno do projeto, cujo um dos objetivos era erradicar a fome em nosso país.  Passados 30 anos, esse intento não se concretizou. Ainda que em 2013 o Brasil tenha saído do Mapa da Fome, em 2018 ele voltou para ele, o que pode ser explicado por alguns fatores, sendo que podemos apontar como o principal deles a falta de políticas públicas, sobretudo por parte do governo federal, no sentido de tentar mitigar esta que é um dos principais flagelos de nosso país.

Para piorar a situação, tivemos a Pandemia da Covid-19, durante a qual milhares de pessoas ficaram empregadas ou subempregadas, não tendo como manter o mínimo necessário para a subsistência de suas famílias. Como sobejamente divulgado pela mídia, nesse período houveram várias iniciativas por parte de ONGs, empresas privadas e até mesmo grupos de pessoas ou ações individuais que trabalharam com a finalidade de fornecer alimentação para a população mais carente.  Cenas de caminhões levando “quentinhas” para as comunidades mais pobres era muito comum durante a pandemia. Clubes, associações, quadras de escola de samba se transformaram em cozinhas que funcionavam à base do voluntarismo. Houve até quem afirmasse que uma vez passada a pandemia as pessoas se tornariam mais humanas e mais solidárias. Não foi bem assim, mas isso é assunto para outro artigo, pois o que hoje nos parece ter havido, de fato, foi a exacerbação do individualismo.

Embora muito pouco divulgada nesses últimos tempos, o que certamente se deve a razões de cunho político-ideológico – Betinho era um intelectual assumidamente de esquerda e identificado com grupos políticos de verve esquerdista– a Ação da Cidadania contra a fome nunca parou; manteve-se sempre ativa. Por ocasião de sua criação, Betinho: “Não é simplesmente uma campanha para atender os pobres. É para mudar o país. Agora, não se pode falar em mudar o país com 32 milhões de pessoas na indigência”.

Sim quando da deflagração da campanha, o Brasil possuía 32 milhões de pessoas passando fome. Hoje, mesmo com a Ação da Cidadania em pleno vapor, o número de pessoas famintas no país passou para 33 milhões, o equivalente a 15% da população. Em outras palavras, nada mudou. Neste quesito, piorou. A erradicação da fome, um dos principais objetivos do movimento, está longe de ser concretizada.   

Como já referido acima, voltamos a fazer parte do Mapa da Fome, figurando ao lado de países como Iêmem, Congo e Somália. Sabe aquelas fotos destes países que a gente vê na mídia e nas redes sociais de pessoas pele e osso? Pois é, essa não é a realidade somente de países africanos, mas também de nosso país. A diferença é que a mídia prefere não mostrar. Nesse caso, a galinha do vizinho é mais magra.

Como “quem tem fome, tem pressa”, lema da campanha desde o seu início, a Ação da Cidadania contra a Fome, sobretudo com a ajuda de voluntários, está sempre de manga arregaçada. Com isto, nesses 30 anos de existência, já   arrecadou e distribuiu 55 milhões de alimentos. Atualmente, além de distribuir cestas, distribui também “quentinhas”, pois reconhece que muitas famílias não têm dinheiro nem para comprar gás de cozinha.  Para dar conta de realizar esse meritório trabalho social, a ONG ocupa hoje uma área de 14 mil metros quadrados na região portuária do Rio de Janeiro. Quando começou, ocupava um pequeno espaço dentro de um prédio do Bando do Brasil no centro da capital carioca., mas está presente em todo o país, atuando em momentos como o da   Pandemia da Covid-19 e em eventos catastróficos.

Dito de outra forma, a Ação da Cidadania cresceu não só em sua dimensão espacial, mas também em sua dimensão social e humanitária. Não fosse o trabalho desta ONG, o contingente de pessoas famintas em nosso país seria ainda maior. Contudo, como declarou recentemente seu coordenador geral e filho de Betinho, Daniel Carvalho de Souza, não se trata apenas de matar a fome das pessoas, posto que a pretensão é bem  maior: “É ótimo dar  cestas.  Me sinto muito bem. Mas vou me sentir melhor quando não for necessário a gente doar”.  Numa remissão à canção Bandeira do Divino, de Ivan Lins, é preciso dar água a quem tem sede, pão a quem tem fome, mas é necessário que o homem seja livre e que a justiça sobreviva.

 Betinho, presente!!!

(*) Jornalista e Professora da UEMG-Leopoldina
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