19/09/2020 às 14h44min - Atualizada em 19/09/2020 às 14h44min

AGENOR BARATA

No ano de 1961, na agência Catete do Banco Nacional, onde eu trabalhava, o Agenor era contínuo. Agenor estava sempre com roupinha limpa, bem passada, mas tudo nele sugeria, inclusive sua aparência física,tratar-se de menino de família debaixa renda.
 
Em pleno expediente, saí da minha mesa de trabalho e fui até a cantina saciar minha sede na talha de barro que nos fornecia saborosa água filtrada.
 
Para atividade tão rotineira, sequer acendi a luz do cômodo. Distraído,ouvi um pequeno estalido e, bem observando, verifiquei que havia esmagadouma barata. Mostrei-me enojado.
 
Por perto, o contínuo Agenor me disse que não tinha qualquer asco de baratas e que até costumava comê-las.
 
Comentei o assunto com colegas. Alguns fizeram chacota com minha informação, outros ficaram silentes e muitos seinteressaram, pedindo repetir a história. Em pouco tempo, o assunto dominou o ambiente de trabalho, principalmente depois de, ao ser questionado, o Agenor ter confirmado que me falara de seu prazer em degustar o nojento inseto.
 
Ali, nos 20 minutos de que dispúnhamos para lanchar e papear descontraidamente, alguns trouxeram o assunto à conversa. Por curiosidade de uns e com revolta de outros, o Agenor foi chamado para reiterar o que já estava confirmado. Um maldoso pediu que ele comprovasse, na prática, que realmente comia barata. Agenor, parecendo necessitar de um dinheirinho, aceitou, mas sob a condição de que lhe fosse feito um pagamento pela exibição.
 
Formada a rodinha dos ansiosos pagantes,Agenor deu início a seu show especial.Mexendo calmamente no lixo, pegou umas e outras,examinou-as detidamentee logo as soltou,colocando-lhes defeitos físicos. Colegas pensaram que ele iria desistir. Qual nada !  Pegou outra, examinou-a teatralmente e, com inusitado gesto teatral,jogou-a na lixeira. Com menos encenação, repetiu a ação algumas vezes, como que querendo excitar “seu respeitável público”. Até que, enfim, ele vibrou com uma delas, aparentemente igual às anteriores, exclamando “pela aparência, está deliciosa”.  Num ritual que parecia ensaiado, lavou-a na pia do banheiro e prendeu-alevemente na boca. A barata esperneava,querendo sair, mas ele conseguia mantê-la presa entre os dentes. Apesar do burburinho no cubículo, deu para entender o Agenor dizer “me dê o dinheiro, senão eu solto a barata”.
 
Iniciada a coleta, acertou-se que somente poderia participar da plateia quem tivesse colaborado com a caixinha. Quase todos pagaram e com isto a verba para o Agenor foi aumentada, rendendo mais que o total de R$ 5,00 (cinco cruzeiros) estipulados por ele. Embolsou o dinheiro como se guardasse o prêmio maior da Loteria Federal. E deu início à asquerosa atividade.
 
Houve um início de confusão. Alguém protestou, dizendo que era covardiavalortão baixo por tamanha humilhação; outro disse que era muito, pois o Agenor devia estaracostumado a fazer aquilo em casa. E começaram as perguntas: “Agenor, sua mãe sabe que você come baratas? Na sua casa é só você quem gosta ou todo mundo? Já comeu antes outras aqui?”
 
Entre murmúrios e perguntas, tudo era um alvoroço só, suscitando as mais variadas reações. O também dentista Habib interrompeu seu lanche e asseverou que naquela boca jamais faria qualquer serviço.  O Cléverson, com seu jeitinho de menino-moça, se pôs a gritar “que horror, que horror”, enquanto fechava e abria as mãos nervosamente. O Neuton Barjona Lobão Filho falou “no Piauí, onde passei minha infância, se come qualquer bicho para não se passar fome”.O José Pereira Alvim, metido a evangélico, gritava “Ah Jesus, coitado deste menino”. O Wilson, sempre de mau humor, gritou que iria mandar um memorando para a Direção Geral, denunciando maus tratos ao colega ingênuo. O Heitor Ferreira de Carvalho lamentou estar sem dinheiro e ter que perder o espetáculo.  O Oswaldo, com sua mania de ter sempre vivido um acontecimentosuperior ao que lhe era dito, contou “já vi comerem três de uma única vez”.    “Isto é sadismo, coitado do menino, ele é uma criança, não façam isto”, bradou o Álvaro dos Santos. “Nem se eu beber o dobro da pinga que tomo diariamente sou capaz de fazer isto”, gritou o tricordiano Célio Ximenes de Oliveira.
 
Para poder tirar com a mão uma das asas que havia agarrado num dente lateral e não se soltava ao ser tocada por sua língua, o Agenor quis fazer a devolução de CR$ 1,00(um cruzeiro). Um cretino quis que ele tirasse, mas voltasse com a asa para a boca. Autorizado, tirou o pedaço e o mostrou como um troféu, momento em que uns poucos espectadores correram para o vaso sanitário e vomitaram.
 
Eu, arrependido de haver divulgado minha conversa inicial com o Agenor e, argumentando que aquilo era um númerode espetáculo circense, iniciei nova vaquinha e quase consegui dobrar seu cachê.Fato é que, ao final, o Agenor comeu a barata por um valor acima de Cr$ 5,00 (cinco cruzeiros), quantia quase 500 vezes menor que seu baixo salário.
 
No meio da exibição do Agenor,mais da metade da plateia, enojada e arrependida,já havia se retirado.
 
Ao saber da notícia de que nossa cozinha era antro de baratas, vários clientes, tradicionais xepeiros de cafezinhos, nunca mais osprocuraram. E alguns funcionários, enquanto não se exterminaram as baratas, passaram a lanchar no bar daesquina.
 
Cerradas as cortinas, saímos todos, ele ganhou o dinheiro e o apelido, que até hoje vigora: “AGENOR BARATA”. certou-se que a, somente poderia participar da plateia quem tivesse nal, o Agenor foi contratado por CR4 5,00 corres 
 
Em 20.05.2014,
Nelsinho.
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