25/12/2022 às 21h12min - Atualizada em 25/12/2022 às 21h12min

UM TREM MUITO SÉRIO

Plínio Fajardo Alvim (*)
Em Minas, o trem não é meramente um meio de transporte. Pra nós, mineiros, qualquer coisa é um trem. Ou melhor, usando nosso próprio dialeto: qualquer trem é um trem.
 
    Quando temos fome, comemos um trem. Se estamos com sede, bebemos um trem. Às vezes, um trem pode nos espetar o dedo. Outras, um trem pode cair em nossos olhos. A todo o momento esbarramos em algum trem. Há sempre um trem em nosso caminho, ajudando ou atrapalhando.
 
     Se algo nos assusta, nos encanta ou nos surpreende, é um trem-de-doido. Se a coisa é boa, é um trem-bom demais. E quando padecemos de algum mal que não sabemos definir, seja ele físico ou emocional, o que sentimos é um trem-esquisito.
 
     O trem, pra nós, assume conceitos, dimensões e nuances inimagináveis em outras terras. Nossos trens podem ter formas, cores, sabores, sons, odores, qualidades, defeitos e quaisquer outras características que quisermos, concretas ou abstratas. Assim, incontável número de trens circulam ou estacionam no cotidiano e no inconsciente coletivo do povo mineiro. Aqui, em Minas, tudo é trem.
 
     O trem tanto pode incomodar quanto embalar nosso sono. Mas, sobretudo, o trem nos faz sonhar; ... e quase sempre acordados. Pra nós, quando irados, até gente e bicho podem ser trens. Afinal, nossos trens são também seres que têm vida e que são a nossa vida. O trem está para o mineiro assim como o sincretismo religioso está para o baiano, como a praia para o carioca, como a garoa para o paulista, como os pampas para o gaúcho, como a aridez para o nordestino e como a floresta para os povos amazônicos.
 
     Mas, acima de qualquer trem, nossos trens não são simples expressões idiomáticas. Em Minas, o trem é um trem muito sério. Nossos trens são valores e sentimentos manobrando na estação do nosso coração. Trem é Minas e Minas é trem. O trem é a alma de Minas.
           
Trem, em Minas, é como o Uai, não tem tradução. Só nós, mineiros, sabemos o que significam: Uai é Uai e Trem é Trem, sô!
 
 
*©2001-Plínio E. Fajardo Alvim - Natural de Leopoldina(MG). Bel. em Administração pela UFRJ. Pesquisador diletante da História da Zona da Mata Mineira. Membro honorário da Academia Ferroviária de Letras. Autor de dezenas de artigos sobre história regional, turismo, meio-ambiente e gestão, publicados em diversas mídias e instituições, de vários estados e localidades; alguns dos quais, também mencionados em monografias de graduação superior, dissertações de mestrado e teses de doutorado. Membro da ONG GBV (Grupo Brasil Verde). Colaborador do MPF (Movimento de Preservação Ferroviária) e da ABPF (Assoc. Brasileira de Preservação Ferroviária).
 
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