01/12/2023 às 15h54min - Atualizada em 01/12/2023 às 15h54min

Dia do Samba é todo dia - Um resumo histórico

Luc Luciano

Luc Luciano

Desenhista, chargista, cronista, fotógrafo, escultor... na verdade um curioso

Luc Luciano
Em dois de dezembro, em homenagem ao dia do nascimento do compositor mineiro Ary Barroso é comemorado o Dia do Samba. Mas o dia do samba é qualquer dia.

Sou só um curioso que gosta de História e gosta de samba.  Esta coluna não pretende, nem teria como contar toda a história do ritmo, mas fazer um passeio resumido através de alguns registros conhecidos e outros nem tanto.

“Eu sou o samba, sou natural aqui do Rio de Janeiro...” assim compôs Zé Keti.

“Porque o samba nasceu lá na Bahia... E se hoje ele é branco na poesia... Se hoje ele é branco na poesia... Ele é negro demais no coração. ” Compuseram Vinicius de Morais e Baden Powell.

A verdade é que o samba tem origens diversas. Desde os batuques africanos, passando pelo maxixe, lundu, coco, caxambu ou jongo... Foi evoluindo e se aprimorando ao longo do tempo, dando origem a uma diversidade enorme de ritmos.

Começamos com o clássico “Pelo Telefone” que segundo o “Almanaque do Carnaval” de André Diniz, foi, na verdade não o primeiro samba a ser gravado, mas o primeiro a fazer sucesso. A composição que se assemelhava mais a um maxixe surgiu em 1916 no terreiro da baiana Tia Ciata na Praça XI no Rio de Janeiro.  Diversas fontes afirmam que teria sido na verdade uma criação coletiva, uma espécie de partido alto com participação de João da Baiana, Pixinguinha, Caninha, Hilário Jovino e Sinhô. O registro definitivo em 1917 levou assinatura de Donga e posteriormente também do jornalista Mauro de Almeida. A  gravação original tinha uma letra mais leve em que trocava o "Chefe da Polícia" pelo "Chefe da Folia".

Em 1966 Donga canta com Chico Buarque no programa Hebe Camargo na TV Record



 
Pelo Telefone estourou como primeiro samba, mas curiosamente, na época os técnicos das gravadoras eram em sua quase totalidade estrangeiros e viam dificuldades em registrar instrumentos de percussão nas gravações.   Esta primazia segundo o pesquisador Lira Neto, se deve ao samba “Na Pavuna”(Almirante e Homero Dornellas) gravado em 1929 pelos Bando de Tangarás, grupo formado por Almirante, Braguinha, Henrique Brito, Noel Rosa e Alvinho



 
Neste final da década de 1920, início de 30, no bairro do Estácio e logo em Oswaldo Cruz o samba foi adquirindo um estilo mais batucado, sincopado e mais acelerado.

Daí vieram as escolas de samba Deixa Falar (que deu origem à Estácio de Sá), Mangueira, Portela, Império Serrano entre outras e consequentemente os sambas de enredo.

Ismael Silva falando sobre a evolução do samba - Arquivo N - Globo News




Nos anos 30 o samba adquire uma penetração ainda maior através de figuras que fazem a ligação entre os sambistas do morro com a classe média. Entre essas figuras fundamentais no rompimento de preconceitos, segundo o pesquisador Ricardo Cravo Albin (Dicionário Cravo Albim), está Noel Rosa que trouxe um refinamento ao ritmo. Graças a Noel Rosa, o rádio, que até então tocava mais boleros e outros clássicos, passa a dar espaço ao samba.  O que muitos não sabem é que o “Poeta da Vila”, que compôs verdadeiras crônicas do seu tempo, é filho de mineiros de nossa Leopoldina.

Aracy de Almeida e Wilson Simonal  em pot-pourri de Noel Rosa - TV Record - década de 60:




Nesta mesma época outros grandes criadores foram Ismael Silva (Que se auto intitulou criador do termo Escola de Samba), Wilson Batista, Cartola, Nelson Cavaquinho,Carlos Cachaça, Dorival Caymmi. E grandes intérpretes como Francisco Alves, Mário Reis, Silvio Caldas, Carmem e Aurora Miranda, Aracy Cortes, Aracy de Almeida.

Mário Reis canta "Jura" composição de Sinhô:




Além do samba enredo, outras vertentes vão se consolidando nos anos 30 e 40, como o samba canção de Lupicínio Rodrigues, Maysa, Jamelão... e o samba de breque de Luiz Barbosa, Moreira da Silva, Jorge Veiga. Em São Paulo surgem Adoniran Barbosa e os Demônios da Garoa.



A divulgação se dava principalmente através do teatro de revista e do cinema. Estúdios nacionais, como a pioneira Cinédia e principalmente a Atlântida investiam em produções que lançavam artistas e sucessos carnavalescos, principalmente as marchinhas carnavalescas que reinaram até meados da década de 60.

Marlene cantando "Lata D'água" de Luís Antônio e Jota Junior no filme "Tudo Azul"-1952:




O Estado Novo de Getúlio Vargas soube utilizar a arte a seu favor, incentivando a organização das escolas e uma temática nacionalista. A criação da Rádio Nacional com seu grande alcance deu maior destaque a muitos artistas. Marlene, Emilinha Borba, Cauby Peixoto, Angela Maria, Francisco Carlos, Nelson Gonçalves, Jamelão são alguns deles. Nesta época surge também o Samba Exaltação, sendo talvez o maior representante o mineiro de Ubá, Ary Barroso.

João Gilberto toca e canta "Isto Aqui O Que É" de Ary Barroso no Palace - São Paulo em 1994





Em 1958 Elizeth Cardoso lança “Chega de Saudade” de Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Nesta gravação chamou a atenção a batida diferente do violão do baiano João Gilberto, que logo em seguida também a gravaria com sua voz.  O jornalista Ruy Castro, em seu livro “Chega de Saudade” assim definiu a bossa nova:  “uma simplificação extrema da batida da escola de samba”, como se dela tivessem sido retirados todos os instrumentos e conservado apenas o tamborim.



O movimento cresceu a partir da Zona sul do Rio de Janeiro e entrando pela década de 60,  ganhou o mundo através de nomes como Tom Jobim, Vinicius de Moraes, João Gilberto, Carlos Lyra, Roberto Menescal , Ronaldo Bôscoli, Billy Blanco, Aloysio de Oliveira, Baden Powell, Oscar Castro Neves, Sérgio Mendes, César Camargo Mariano, João Donato, entre tantos outros.

Nelson Gonçalves canta "Onde Anda Você" de Vinicius de Moraes e Hermano Silva. Fantástico:




Se por um lado a Bossa Nova ganhou destaque, por outro foi com o tempo vista como exageradamente influenciada pelo Jazz norte-americano, o que desagradava aos sambistas de raiz, a àquela altura, com poucas oportunidades nas gravadoras e na mídia.

Por fim muitos integrantes do próprio movimento, como Marcos Vale, Carlos Lira, Dori Caymmi, Nara Leão, Toquinho acabaram se reaproximando do samba tradicional. Nesta época surgem os “Sambas-afro” de Vinicius de Moraes e Baden Powell.


Canto de Ossanha (Baden Powel e Vinícius de Moraes) Cantando Vinícius, Toquinho, Tom Jobim e Miúcha em 1979:

 
Em meados da década de 60, apesar de boa parte dos holofotes voltados para o iê-iê-iê, principalmente pelo sucesso do programa Jovem Guarda da TV Record, foi através dos festivais de música da mesma emissora que também foi revelada uma nova geração de artistas, muitos dos quais ligados ao samba como Martinho da Vila, Jair Rodrigues, Chico Buarque, Paulinho da Viola, Wilson Simonal, Gonzaguinha e a descoberta da veterana Clementina de Jesus. Seguem também fazendo sucesso nomes como Elza Soares e Luiz Ayrão.   Sambas com conteúdo social e político eram a tônica do momento em plena ditadura militar.

Zé keti canta "Opinião" de sua autoria no programa "Ensaio" da TV Cultura na década de 90:




Nos anos 70, apesar da forte invasão da música internacional nas rádios e TV's, o samba continuou a produzir pérolas de Candeia, Monarco, Noca da Portela,Dona Ivone Lara, Argemiro, Casquinha, . Foi a década em que ganhou destaque o samba-rock de Jorge Ben, Bebeto, Erasmo Carlos, Trio Mocotó entre outros. Foi também a época em que surgiram ou se consolidaram nomes como João Nogueira, Roberto Ribeiro, Benito de Paula, Agepê, Clara Nunes. A “Mineira Guerreira”, até meados da década de 60 uma cantora romântica, principalmente de boleros, grava em 1968 “Você Passa Eu Acho Graça”, uma parceria surpreendente entre Carlos Imperial e Ataulfo Alves que foi sucesso em todo o Brasil. Com a assessoria do radialista Adelson Alves explode como grande vendedora de discos, o que era raro no mundo do samba.
 
Clara Nunes canta Portela na Avenida  de Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro:




Outra cantora de importância fundamental para o samba, Beth Carvalho também iniciou a carreira ligada à bossa nova e teve como primeiro sucesso nacional em 1968 a toada “Andança” de Edmundo Souto, Danilo Caymmi e Paulinho Tapajós. Beth Carvalho redescobriu antigos compositores como Nelson Cavaquinho, Cartola e Nelson Sargento, lançando destes obras marcantes.



Como frequentadora de diversos pagodes, principalmente do Cacique de Ramos, Beth lançou ao sucesso uma legião de grandes sambistas, como o grupo Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Luiz Carlos da Vila, Sombra, Sombrinha, Arlindo Cruz entre tantos outros. Introduziu em seus shows e discos instrumentos como  o banjo com afinação de cavaquinho, criação de Almir Guineto, o tantã e o repique de mão, criação de Ubirany do Fundo de Quintal. A sonoridade do samba a partir daí se aperfeiçoaria sem perder suas características fundamentais.

Beth Carvalho canta "Virada"  do leopoldinense Noca da Portela no Cassino do Chacrinha - 1982:





Sobrevivendo à febre das discotecas e ritmos estrangeiros, O samba entra a década de 1980 retomando espaços nas rádios e TV’s. Além dos já consagrados Paulinho da Viola, Beth Carvalho, Bezerra da Silva, Alcione, Gonzaguinha que emplacam diversos sucessos nas paradas, explodem Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto, Leci Brandão, Jorge Aragão e principalmente Agepê com seu disco “Mistura Brasileira” em 1984 que continha o megassucesso “Deixa Eu Te Amar”, sendo este o primeiro álbum de samba a vender mais de um milhão de cópias.

Agepê canta "Deixa Eu Te Amar" no "Qual é a Música" de Silvio Santos - SBT 1989




Em finais da década de 1980, início de 90, o samba novamente vai perdendo espaço na mídia para a Lambada, seguida pela “Axé Music” da Bahia, o novo sertanejo e para o “pagode romântico” que pouco ou nada tinha a ver com o sentido original da palavra pagode, que era a reunião ou festa de sambistas. Grupos com dancinhas coreografadas, usando mais som eletrônico de guitarras, baixos e teclados surgiram aos montes. (Eu achava insuportável). Dessa safra de artistas, alguns poucos ainda mantinham alguma ligação com o dito samba de raiz. Entre esses o Grupo Raça, que em 1992 emplacou o sucesso "O Teu Chamego".

De Beto Correa e Lúcio Curvello "O Teu Chamego" com o Grupo Raça no Som Brasil 1994:


 

 
Já por volta de 95/96, até a virada do milênio, antigos e novos sambistas autênticos retornam às paradas de sucesso com gravações ao vivo de antigos sucessos ou estouram com novas composições. João Nogueira, Beth Carvalho, Jorge Aragão, Fundo de Quintal e principalmente Martinho da Vila com seu disco “Tá Delícia Tá Gostoso” de 1995 em que se destaca “Mulheres”, composição do mineiro Toninho Gerais.

E como tocou esse disco do Martinho...

 


Na virada do milênio outros nomes vão ganhando destaque no mundo do samba: Tereza Cristina, Dudu Nobre, Diogo Nogueira...

Com o crescimento do acesso à internet e das redes sociais nos últimos anos, há um ressurgimento do carnaval de rua com milhares de novos blocos em capitais e no interior. O samba e a marchinha carnavalesca têm novo fôlego, embora isso nem sempre se traduza em espaço na grande mídia, que tem seu poder diminuído, mas ainda influencia muito sobre o que é consumido por grande parcela da população.

Aos trancos e barrancos o samba insiste em não morrer.
  

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
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